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São João Gualberto, afresco de Neri di Bicci, Igreja da Santa Trindade, Florença.
O exemplo de S. João Gualberto

        Porém, é um Santo da Igreja Católica que nos indica o exemplo a seguir quando os Fiéis são confrontados com um Prelado rebelde que traz males à Igreja.

        S. João Gualberto viveu no século XII. Não é apenas um Santo; é também o fundador dos Beneditinos Valambrosianos. A sua festa celebra-se a 12 de Julho no calendário antigo. A heroicidade da virtude cristã de S. João Gualberto fica demonstrada por ele ter perdoado o assassino de seu irmão: encontrando-o um dia sem armas e sem defesa num beco sem saída, S. João Gualberto (que ainda nem sequer era monge) sentiu-se movido ao perdão quando o outro, erguendo para ele os braços em forma de cruz, lhe pediu misericórdia por amor de Cristo crucificado. E S. João perdoou àquele homem, apesar de ter andado em sua busca com um bando de soldados, a fim de executar vingança. Era Sexta-Feira Santa – foi então que S. João Gualberto viu uma imagem de Cristo crucificado que, tomando vida, lhe fazia com a cabeça um sinal de assentimento. Nosso Senhor transmitiu nesse momento a S. João uma extraordinária Graça especial que o levou a perdoar ao assassino de seu irmão. Foi também esse momento de Graça que o levou a tornar-se monge.

        Como vemos, S. João Gualberto é o exemplo acabado do perdão de Cristo: quem pode perdoar o assassino do seu irmão pode perdoar qualquer ofensa. Ele foi ainda um homem de considerável importância na Hierarquia da Igreja, tendo conseguido fundar um Mosteiro e uma Ordem de monges que ainda existe nos nossos dias. A Ordem tinha – e ainda tem – a seu cargo uma igreja em Roma, a Igreja de Santa Praxedes, onde foi descoberta nada mais nada menos do que a coluna a que ataram Cristo para ser açoitado. É nesta igreja, mesmo ao virar a esquina da Igreja de Santa Maria Maior, que se encontra uma pintura do Santo perdoando ao assassino de seu irmão – evento claramente muito importante na História da Igreja.

        No entanto, para além da sua exemplar misericórdia cristã e da sua relevante estatura na Igreja, S. João Gualberto não hesitou em procurar obter o afastamento de um Prelado corrupto do seu tempo: foi a Latrão (residência do Papa, quando ainda não se tinha criado o enclave do Vaticano) pedir que o Arcebispo de Florença fosse afastado, por ser indigno do seu cargo. O fundamento para o pedido de S. João era ter o Arcebispo subornado com dinheiro certas pessoas influentes, de modo a ser ele designado Arcebispo – isto é, ele comprara o seu cargo eclesiástico, o que constitui um grave pecado de simonia.

        Ora, não tendo os funcionários do Papa em Latrão – inclusive S. Pedro Damião – feito nada para afastar esse Arcebispo, invocando uma suposta falta de provas, S. João recebeu de Deus uma especial inspiração: como prova de que S. João dizia a verdade sobre o Arcebispo, Deus havia de dar um sinal. Um dos seus frades, o Irmão Pedro, caminharia pelo meio de uma fogueira de onde emergiria miraculosamente sem qualquer queimadura, em testemunho de que era verdadeira a acusação de S. João Gualberto contra o Arcebispo. Então o Santo chamou todo o povo da cidade dizendo-lhes que fizessem uma enorme fogueira com uma estreita passagem pelo meio; e explicou-lhes qual a razão de tudo aquilo e o que iria acontecer. Então o Irmão Pedro, sob santa obediência, passou pela estreita passagem ardente e saiu, são e salvo, pelo outro lado; devido à sua grande Fé foi o Irmão Pedro beatificado (celebrando-se a sua festa a 8 de Fevereiro no Martirológio Romano). Quando os fiéis – leigos – viram este sinal milagroso, ergueram-se todos à uma e expulsaram de Florença o Arcebispo: este teve de pôr a sua vida a salvo; e o Papa teve de designar um digno substituto.

(…)

 Conclusão:

   O que é que este acontecimento da História da Igreja nos diz sobre a nossa actual situação? Mostra-nos que os leigos têm o direito e o dever de se protegerem de Prelados que, transviados, estão a causar males à Igreja e às almas devido ao seu comportamento desviante. Neste tempo sem paralelo de crise na Igreja, dificilmente estaremos sozinhos na busca – episódica – deste remédio que o Papa nos pode dar.

Fonte: Linhas Piedosas | Texto retirado do livro “O Derradeiro Combate do Demônio“, Cap. 16 | Credit of the photo: –By Wikipedia

Purgatório

Padre Alexandrino Monteiro, S.J.

I. Acerbidade das penas do Purgatório

Ouvindo Santo Agostinho alguns de seu tempo dizer que, se escapassem do inferno, do Purgatório não tinham tanto medo, encheu-se de zelo e lhes fez ver o grande erro em que estavam, pois as penas do Purgatório superam tudo o que há de mais penoso neste mundo.

E com razão, porque o fogo que atormenta as almas do Purgatório é o mesmo que o fogo que atormenta os condenados no inferno, somente com exceção da eternidade. E assim é que a Santa Igreja não duvida chamar às penas do Purgatório penas infernais [na Liturgia dos defuntos].

O fogo do Purgatório é aceso por um sopro infernal, e é tão ativo que não se chama simplesmente fogo, mas espírito de fogo (Is 4, 4), e derreteria num instante um monte de bronze, mais facilmente que uma de nossas fornalhas devoraria uma palha seca.

Tem ainda este fogo, além da atividade natural, uma potência superior, que lhe dá Deus, para servir de instrumento ao Seu furor: …………………(Is 15, 41).

Porém, diz o Senhor pelo profeta Zacarias, que Ele mesmo, mais que o fogo, purgará e limpará a alma eleita, ativando com Seu hálito as suas chamas: …………… (Zac 3, 9).

E qual não será o tormento das almas benditas naquele cárcere por meses e anos! Podemos fazer dele uma [longínqua] idéia, considerando que:

a) A alma, assim como é mais nobre que o corpo, é também mais capaz de sentir vivamente, seja a alegria, seja o sofrimento;

b) A alma unida ao corpo, se sente dor, sente-a temperada pelo mesmo corpo, e como que dividida entre ambos, servindo-lhe o corpo de escudo e anteparo da dor. Mas no Purgatório, estando longe do corpo, recebe diretamente sobre si toda a força da dor;

c) A alma unida ao corpo, se sofre no pé ou na mão ferida, não sofre na cabeça ou noutros membros sãos; mas no Purgatório, sendo indivisível e estando separada do corpo, é toda atingida pelas chamas.

Além do fogo, é a alma, no Purgatório, atormentada por si mesma, pensando:

a) Por quão ligeiras faltas está penando: por uma palavra inútil, por um olhar curioso, por uma intenção menos reta, que tão facilmente pudera evitar;

b) Que, podendo durante a vida tão facilmente descontar a pena merecida por suas faltas com praticar algumas ações meritórias, não o fez;

c) Que, deixando na terra filhos, amigos e herdeiros, que a deviam aliviar naquelas chamas, não o fazem, e só pensam em desfrutar dos bens que lhes deixou (Sl 30, 13). Com quanta razão se lamentará de não ter descontado os seus pecados, dando esmolas, e empregando em obras de caridade os bens que Deus lhe deu e que aumentou com tantos suores?

Sobre tudo isto, acresce o maior tormento do Purgatório, que é a privação da visão de Deus.

São João Crisóstomo disse (Hom. 24 in c. 7 Mat.) que o inferno do inferno é estar o condenado privado para sempre da visão de Deus. Assim também se pode dizer que o Purgatório do Purgatório é estar uma alma por muito tempo longe da visão de Deus. As almas são, pois, atormentadas por dois verdadeiros e profundíssimos sentimentos: desejo e amor.

O maior tormento de uma alma do Purgatório é desejar ir para Deus, e não poder. Esta pena é tanto maior, quanto maior é o conhecimento que lá a alma tem de Deus, pois, separada do corpo, conhece mais claramente a suma bondade de Deus, e se sente movida com maior força a ir para Ele, como a pedra para o seu centro.

Por isso, as suas maiores ânsias, no Purgatório, são suspiros pela visão beatífica, de que já sente a aproximação, mas que ainda não pode desfrutar. Clama ela, como o cego do Evangelho (Lc 18, 41): ‘Senhor, que eu veja’ essa luz da glória; que meus olhos desfrutem já da presença divina! Para chegar mais depressa à visão de Deus, esta alma preferiria que se lhe duplicasse o tormento do fogo, contanto que findasse o tormento do desejo de ver a Deus.

Conta-se [por exemplo] de Rutília que, sabendo que seu filho fõra condenado ao desterro para terras longínquas, se desterrou também, para não padecer, longe dele, o tormento da saudade.

Mas muito maior que o desejo, é o tormento do amor.

Três são os amores que atormentam as almas do Purgatório:

a) O amor natural, pelo qual a alma, por uma inclinação inata, é atraída para Deus como a Seu Criador, seu Princípio e último Fim, com maior ímpeto que a pedra propende para o centro da terra ou a chama para o ar;

b) O amor sobrenatural, pelo qual, [sob a ação da Graça,] é a alma vivíssimamente atraída para Deus como seu sumo, único e eterno Bem;

c) O amor de ardentíssima caridade, por saber que é esposa do divino Cordeiro, Jesus Cristo, destinada ao Reino Celestial, e, no entanto, vê que seu Esposo Divino lhe fecha a porta, e que seu amor é assim frustado.

A todos estes tormentos se deve juntar a duração das penas, por meses, por anos e, talvez, até o fim do mundo.

Quanto se amedronta e aterra um malfeitor, ao ouvir a sentença de ficar por algum tempo encerrado num cárcere escuro ou de por três anos trabalhar nos porões das galés! Quanto se lamenta um enfermo a quem se avisa de que terá de sofrer por um quarto de hora uma dolorosíssima operação! E a quem não de gelar o sangue ao pensar que, por seus pecados, há de estar sepultado nas chamas do Purgatório por anos inteiros, e talvez até o dia do Juízo Final?!

Santo Agostinho diz que, no Purgatório, um dia é como mil anos (In Ps 37).

Assim é que a esperança e o desejo de ver a Deus, e de passar de um excessivo tormento a uma indizível alegria, fará parecer uma hora mais longa que um século.

Conta Santo Antonino que um enfermo havia muito tempo que sofria horríveis dores. Apareceu-lhe o seu Anjo da Guarda e lhe propôs, por ordem de Deus, que escolhesse: ou sofrer aquelas dores por mais um ano, ou passar meia hora no Purgatório. O enfermo respondeu que preferiria estar meia hora no Purgatório, pois assim acabava mais depressa de sofrer. Pouco depois expirou, e o Anjo foi visitá-lo no Purgatório. Ao ver o Anjo, a pobre alma começou a soltar gemidos inconsoláveis, dizendo-lhe que a tinha enganado, pois, tendo-lhe assegurado que estaria ali só meia hora, já eram passados vinte anos que estava lá penando. Vinte anos? – replicou o Anjo – não passaram mais que poucos minutos de tua morte, e teu cadáver ainda está quente sobre o leito!

Tanto é verdade que as penas do Purgatório, em certo modo, – sapiunt naturam aeternitatis -, têm um sabor de eternidade, por parecer à imaginação do padecente que uma hora é como um século.

II. Dificuldade em evitar o Purgatório

Um mal qualquer, por maior que seja, se facilmente se pode evitar, não é grande mal; mas um mal grande, que dificilmente se pode evitar, torna-se extremo.

Tal é o Purgatório; pois, como atesta o cardeal e Doutor da Igreja São Roberto Belarmino (De amis. grat., c. 13), até dos homens mais santos e perfeitos, pouquíssimos são os que vão direto ao Paraíso.

O mesmo Santo, estando próximo à morte, recebeu a visita do Geral da Companhia de Jesus, que, sabendo como era santíssima a vida de Belarmino, lhe disse que todos tinham firme esperança de que, depois da morte, ele voaria logo para o Céu. – ‘Mas não a tenho eu, disse o Santo; eu não tenho essa esperança’.

Santa Teresa d’Ávila conta que, sendo-lhe revelado o estado de muitas almas na outra vida, só de três sabia que tivessem ido para o Céu sem passar pelo Purgatório [e uma destas almas era ninguém menos que um São Pedro de Alcântara].

Nem isto nos deve maravilhar. São Bernardo diz (Decl. sup. Ecce nos) que, assim como não há obra boa, por mais pequena que seja, que Deus não remunere largamente, assim não há mal, por mais ligeiro que seja, que Deus não castigue severamente. Ora, sendo a alma mais justa e santa sujeita a muitas imperfeições, naturalmente está exposta a ir pagar por elas no Purgatório.

Se por um lado não quer Deus que nada impuro entre no Céu, por outro não escapa a Seus olhos a mais ligeira mancha, que nós, muitas vezes, nem chegamos a descobrir. Por isso diz a Escritura que até nos Anjos encontra Deus que repreender (Job 4, 18), e que os mesmos céus não são puros na Sua presença (Job 15, 15), e que até nas obras dos justos encontra que emendar (Sl 74, 3).

O santo Jó, conhecendo esta minuciosa Justiça de Deus, temia que as suas ações, ainda as mais santas, não Lhe fossem plenamente agradáveis (Job 9, 28).

Oh! Como são terríveis os juízos de Deus, e como são diversos dos d’Ele os juízos dos homens! O homem não vê senão o que aparece por fora; Deus, porém, penetra o coração (1 Rs 16, 7).

O padre Baltasar Álvarez, da Companhia de Jesus, confessor de Santa Teresa d’Ávila, era, por testemunho de sua Santa penitente, um dos homens mais santos e piedosos de seu tempo. Um dia, ele pediu ao Senhor que lhe revelasse quais eram as suas obras que mais O agradavam. Deus Nosso Senhor ouviu a sua oração, e fez-lhe ver as suas obras no símbolo de um cacho de uvas, em que umas eram verdes, outras amargas, e só duas ou três estavam maduras, e estas ainda não de todo doces ao paladar. ‘Tais são, disse-lhe o Senhor, as tuas ações; delas só duas ou três são boas, e mesmo nestas, se examinarem com rigor, não lhes faltará que repreender’.

Daqui se vê como é severa a Justiça Divina em julgar as ações dos homens, e como é difícil, ao morrer, estar um alma tão purificada, que não fique nada por que satisfazer no Purgatório.

Não faltam exemplos na vida dos Santos que confirmam esta doutrina.

Na vida de São Severino se conta que, enquanto um clérigo passava um rio, apareceu-lhe um sacerdote e, tomando-lhe a mão, a queimou toda, dizendo: Isto sofro no Purgatório por não rezar as Horas canônicas com atenção.

De São Martinho escreve São Gregório Turinense que, orando no sepulcro de sua irmã e recomendando-se a ela como a santa, de repente ela lhe apareceu, vestida do hábito de penitente, com o rosto triste e pálido, e lhe disse que ainda estava no Purgatório, por ter penteado o cabelo na Sexta-Feira Santa, não se lembrando que era o dia da Paixão do Senhor.

A irmã de São Pedro Damião, como ela mesma revelou a uma santa alma, foi condenada a penar dezoito dias no Purgatório, por ter, de sua cela, ouvido curiosamente os cantos e músicas que entoavam debaixo da janela.

São Severino, Arcebispo de Colônia, foi condenado a um gravíssimo Purgatório, por ter recitado as Horas canônicas sem a devida distinção de tempos, apesar de serem muitos os negócios de seu palácio, que parece o desculpariam.

Entremos agora dentro de nós mesmos, e tiremos a conseqüência, que tirou também Santo Antonino depois de contar a seus religiosos semelhantes exemplos: ‘Tema, pois, cada um de vós, cometer pecados veniais e não se purificar deles nesta vida’.

Se Deus é tão severo em punir no Purgatório as menores faltas, e se é tão difícil, mesmo para as almas mais perfeitas, evitá-lo, como é que me atrevo a acumular pecados veniais em minha vida, sem fazer penitência deles?… E se aqui me parece insuportável uma pequena agulha, que será sofrer aquele fogo atrocíssimo?… Por que não procuro depurar as minhas ações de toda impureza, e fazer penitência pelos pecados cometidos?… Andemos sempre alumiados pelas chamas do Purgatório, para evitarmos, com a perfeição de nossas obras, cair naqueles horríveis tormentos (Is 40, 11).

III. Como devemos evitar o Purgatório

É verdade de Fé que ninguém entra no Céu sem estar de todo purificado (Apoc 21, 17), e sem primeiro ter satisfeito todas as suas dívidas à divina Justiça (Mt 5, 26). Deste modo, ou havemos de punir em nós mesmos, nesta vida, os nossos pecados, ou então Deus se encarregará de os castigar depois da nossa morte. Não há como escapar, diz Santo Agostinho (Conc. 1 in Ps 58).

Quem, na vida, não apaga os pecados com as lágrimas da penitência, depois da morte se purificará deles com as chamas do Purgatório. Ora, não é melhor lavar os pecados com água do que com fogo?

Na vida, com um dia de penitência, e até com uma hora, podemos satisfazer por nossos pecados o que no Purgatório nem por um ano expiaríamos. Ora, não é melhor padecer por um pouco, neste mundo, que padecer no outro por longo tempo, que pode ser até o dia do Juízo?

Ajuntemos que a penitência feita em vida é meritória, e depois da morte nada merece. Ainda que penemos por mil anos no Purgatório, não adquiriremos um novo grau de graça, nem um novo grau de glória no Céu.

E não é mais sensato sofrer pouco e por pouco tempo, e com mérito, do que sofrer muito e por muito tempo, e sem mérito nenhum?

Finalmente, a Divina Justiça fica mais satisfeita com a penitência, ainda que pequena, feita nesta vida, do que com a pena, ainda que maior, tolerada depois da morte; porque a primeira é um sacrifício voluntário e uma pena tomada espontaneamente, ou espontaneamente aceita, ao passo que a segunda é um sacrifício forçado, e uma pena tolerada por necessidade e contra vontade.

Por todas estas razões se vê claramente quanto importa descontar, nesta vida, as penas que devemos a Deus por nossos pecados, pela enorme vantagem de nos livrarmos, desta maneira, dos males do Purgatório.

Frutos

Consideremos os frutos que devemos tirar desta doutrina, para nos resolvermos a evitar o Purgatório, usando de todos os meios que a isto nos possam ajudar.

O primeiro é fazermos agora, por nós mesmos, penitência dos nossos pecados, e praticar boas obras o mais que pudermos, e não pôr a nossa esperança em sufrágios futuros. E isto devemos fazer sem demora, antes que sejamos assaltados por algum acidente (Gál 6, 10).

O segundo é pôr todo o cuidado em ganhar as santas indulgências, comas quais satisfaremos por nossos pecados com a satisfação e méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O terceiro, finalmente, é usar de piedade com as almas do Purgatório, ajudando-as com os nossos sufrágios, obras e orações, porque Deus disporá que aquela caridade que usamos com os outros seja também usada conosco (Mt 7, 2). Depois essas almas, quando estiverem no Céu, serão gratíssimas para conosco, obtendo-nos muitas graças de Deus. Feliz de quem salvou uma alma do Purgatório com seus sufrágios, porque terá diante de Deus quem interceda por ele, quando também estiver penando naquele lugar.

Conta Bernardino de Bustis que morreu um pai, e com seus bens deixou um filho riquíssimo. Este ingrato filho não pensou mais em quem tanto o tinha beneficiado, pois nunca mandou sufragar a alma de seu pai, que ardia no Purgatório. Ora, que aconteceu? Ainda que os seus capitais fossem avultadíssimos, contudo estava sempre em penúria. Contínuas tempestades lhe destruíam as plantações, males imprevistos dizimavam-lhe os rebanhos, incêndios e desastres arruinavam-lhe a casa. Já os pleitos, já o fisco, já os inimigos o obrigavam a gastos desmedidos. Um dia, encontrando-se com um servo de Deus, pediu-lhe que o recomendasse em suas orações. Fê-lo o santo varão, a quem foi revelado que aquele filho ingrato não podia desfrutar dos bens herdados, porque tinha o pai no Purgatório, que o amaldiçoava, e as suas maldições eram aceitas da Divina Justiça pela sua perversa ingratidão.

Façamos bem aos nossos defuntos, que o mesmo farão conosco (Ecli 12, 2).

Imaginemos que Jesus Cristo diz a cada um de nós a respeito dos nossos defuntos, o que disse a respeito de Lázaro: ‘Desatai-o e deixai-o ir’ (Jo 11, 44).

(Padre Alexandrino Monteiro S. J., Exercícios de Santo Inácio de Loyola, II Edição, Editora Vozes, Petrópolis: 1959, páginas 80-90).

Dom José Carlos de Aguirre

ANUARIO

DA

DIOCESE DE SOROCABA

ANOS

1935 a 1939

 

 NOTULAS LITURGICAS

— I—

Capela mór

 

Nosso Senhor deu a Igreja uma organização hierárquica: Clero e laicato.

No templo, o lugar reservado ao clero é a «Capela Mór ».

Capela mór é a parte da igreja separada da nave central pelo arco-cruzeiro ou arco-triunfo.

Compõe-se de: abside atrás do Altar mor, presbitério, ou santuário, anterior ao Altar mor (elevado sobre o nível da nave central alguns degraus ímpares); coro da oficiatura divina, fechado por uma grade no arco-cruzeiro.

Antigamente, era em geral a seguinte disposição da capela mor:

Na abside, atrás do Altar mor, bem no fundo, ficava o trono episcopal, ladeado em semicírculo de assentos dos cônegos e clérigos cantores, formando o que se chama um coro. Depois, o Altar foi recuado mais para o fundo da abside, o trono episcopal passou para o presbitério, ao lado do Evangelho, e o coro ou assentos dos cônegos e clérigos cantores desceu para além do presbitério, ficando este só para os clérigos em função no Altar. O próprio Bispo,  quando em simples vestes corais, tem seu assento no coro, entre os cônegos.

Esta é a disposição atual da capela mor.

O presbitério, plano anterior ao Altar mor, é destinado ao desenvolvimento das funções litúrgicas do Altar. Nele se instalam as credencias, os escanos ou bancos dos ministros sagrados em função, e, eventualmente, o trono episcopal. Para tanto, deve medir, pelo menos, quatro metros de fundo (do supedâneo do Altar á cancela, ou mesa de comunhão).

O presbitério, ou santuário deve ser vedado aos leigos: Laici arceantur, prescrevia o primeiro concílio de Milão. Nas igrejas onde não há coro (oficiatura de cônegos e clérigos), admitem-se leigos decentemente revestidos de opas, abaixo do presbitério.

As leis rituais da Igreja inspiram-se ainda hoje na antiga mentalidade clássica, que fazia da Mesa Eucarística penhor e símbolo de unidade, mesmo material e artística do templo de Deus.

Deus enche de sua majestade todo o templo, mas propriamente só habita e reside na parte mais íntima do edifício. Assim é, que, as outras partes, o transepto, a nave central, os pórticos laterais, o nartex, o pronao, o átrio, são como que outros tantos anexos da originária habitação da Divindade, uma extensão, uma amplitude de sua grandeza.

Por isso, enquanto o «presbitério ou santuário» é sempre reservado á Divindade e aos Sacerdotes que a representam, as outras partes são destinadas aos fiéis.

Para acentuar mais expressamente a distinção e a separação da Hierarquia e dos fiéis, uma divisória enclausurou sempre o recinto reservado a Hierarquia.

Nas igrejas cristãs, o lugar destinado ao Altar e ao exercício das funções hierárquicas foi sempre cercado de rigorosa inviolabilidade.

Diversos nomes designam uma santidade inacessível. Este recinto, que por sua elevação majestosa, seu místico isolamento e riqueza de sua decoração, exprimia a dignidade eminente do Sacerdote e de seus Ministros, era cercado duma clausura (sectum, cancellum, pluteum), através da qual era possível seguirem-se as circunvoluções dos Ministros no presbitério.

É conhecida a severíssima disciplina eucarística dos antigos, relativamente ao acesso ao presbitério. Era estritamente proibido aos leigos. O próprio Imperador Teodósio, quando foi a Milão, pensou gozar do privilégio de permanecer no presbitério após o Ofertório; mas o arcebispo Santo Ambrósio mandou-lhe recado, de que se lembrasse da diferença entre clérigos e leigos, diante do Altar do Senhor.

Os fiéis, para receberem a sagrada Comunhão, aguardavam junto às balaustras do presbitério, que assim se transformaram em Mesas de Comunhão.

Como se vê, a disciplina litúrgica era estrita nesse ponto. A Igreja ligava-lhe tal importância, que, para fazê-la respeitar, apelava para a autoridade dos Concílios. É que ela via nesta disciplina o símbolo expressivo da Hierarquia Sacerdotal, elemento necessário e essencial da sociedade de Jesus Cristo.

Através dos séculos, os cânones, os Concílios, os Decretos dos Bispos, as Decisões dos Sínodos têm-se sucedido ininterruptamente para subtrair o presbitério à invasão dos leigos. Os Decretos da Sagrada Congregação dos Ritos são neste sentido frequentes e rigorosos. Por seu lado, o Cerimonial dos Bispos, insiste também. Note-se, por exemplo, a seguinte passagem: «Os leigos nobres e ilustres, os magistrados e os Príncipes, ainda que sejam de primeira nobreza, devem ocupar cadeiras ornadas, segundo a dignidade e o grau de cada um, mas fora do coro e do presbitério» (Extra chorum et presbyterium).

Nota — Só o Chefe da Nação ou o Governador do Estado tem direito a ocupar um assento no presbitério (Cerimonial dos Bispos, III, IV).

Os leigos revestidos de batina e sobrepeliz são assimilados aos clérigos. Tais os coroinhas.

Oxalá tão veneráveis prescrições fossem fielmente observadas. O Altar erguer-se-ia em toda sua majestade, cercado do mais religioso respeito; os Ministros seriam mais reverenciados; as cerimônias desenvolver-se-iam com maior pompa e solenidade; os fiéis, mantidos a distância, em profundo acatamento, conceberiam uma ideia mais elevada do Sacerdócio, cujos ensinamentos ouviriam com mais docilidade.

Evacuem-se, portanto, os presbitérios, de leigos, mesmo dos revestidos de opa. Nada de cadeiras, poltronas, bancos, genuflexórios, além dos poucos assentos litúrgicos destinados aos Ministros Sagrados. O espaço vazio e amplo do presbitério dá uma impressão de mistério, de distinção respeitosa daquilo que é sagrado. Um número limitado de coroinhas ao serviço do altar, revestidos de batina e sobrepeliz, e nada mais. O próprio sacristão não deve aparecer no presbitério ou junto ao altar, em vestes seculares, durante as cerimônias.

Como é imponente presenciarmos, de baixo, do meio da assistência, as cerimônias desenvolvendo-se no presbitério! Por exemplo, esta parte da Missa cantada: Após o belíssimo canto do Prefácio e do «Sanctus», ao toque da campainha, eis sair da sacristia uma pequena procissão, majestosa, hierática, recolhida, deslizando pela nave em demanda do Presbitério. À frente, um acólito balançando em ritmo o turíbulo a despejar ondas de oloroso incenso, seguem-se dois a dois, seis acólitos em suas batinas pretas ou vermelhas, sobrepeliz amplas e alvíssimas, calçados lustrados, a empunharem tocheiros com velas acesas. À pequena distância do altar, distribuídos em linha, o turiferário no centro e três de cada lado, genuflectem a um tempo, sem rigidez marcial, e ali assistem de joelhos, recolhidos, ao soleníssimo ato da Consagração. Feita a elevação do cálice, levantam-se, genuflectem, e, formando nova procissão, recolhidos, regressam à sacristia.

O que custa a um Pároco zeloso preparar uns poucos meninos para esse ato e para o momento da benção do Santíssimo? Quanto não lucrariam em esplendor nossas festas litúrgicas, mais que com o Presbitério abarrotado de virgens e anjos irrequietos, opas por sobre vestes das mais variadas e pintalgas cores, numa promiscuidade de feira, a desviar a atenção dos fiéis do santo Altar.

Também a falta de coroinhas põe o Sacerdote em apuros no Altar, tirando-lhe a compostura pelo forçar a contínuos deslocamentos à procura deste ou daquele objeto. A intervenção dum leigo, nos ritos, ainda que revestido de opa, é incidente, diminui a gravidade do culto. De mais, a falta de coroinhas dá como consequência a falta de vocações sacerdotais numa paróquia.

É preferível, que o pároco ature as desenvolturas dos coroinhas, que dispensá-los de todo. Escolham-se os coroinhas entre os meninos dóceis, bem educados, de famílias piedosas e distintas. Havendo esta criteriosa escolha, as famílias de certa distinção não farão dificuldade, ante, se empenharão em ceder seus filhos para tão nobres funções, e até mesmo, zelarão de seu enxoval litúrgico. Estes enxovais não devem ficar ao capricho e fantasia do pároco ou dos fornecedores, mas devem ser uniformes, em rigoroso acordo com as normas litúrgicas. Estes enxovais devem conservar-se bem dobrados e guardados em gavetas apropriadas; não pendurados em cabides, onde sujam depressa.

Seria bom, que se guardassem na sacristia os sapatinhos, só para o serviço do Altar, bem escovados e lustrados.

Já que tocamos em coroinhas, bem é lembrar, que para a Missa rezada só se pode empregar um coroinha, a não ser nas Missas dominicais ou de alguma solenidade (neste caso se empregariam somente dois).

Dom Lourenço Fleichman OSB, publicou no site Permanência um texto intitulado “A escandalosa vinda de Dom Williamson ao Brasil – O Dia em que a Terra parou“. Disponibilizamos a brilhante resposta do Noel Neder, publicada no blog SPES.

A Terra gira parada.

Ou ainda: Pedro, as coisas não são bem assim

Noel Neder

Diz-se “jovem”, e eis o que acontece: – instala-se no Brasil um “jovem” que está acima do bem e do mal, ser terrível, absurdo. É irreal, mas não importa: – temos que acreditar no monstro. Note-se: – não no monstro como tal. Não, não. O monstro há de ser o Guia, o Líder. Nelson Rodrigues

             Dom Helder Câmara, cumprindo os exercícios elementares de sua cartilha comunista, utilizava com certa freqüência o termo “jovem”. Corção já escreveu sobre isso, e Nelson Rodrigues também. Outra palavra muito comum do nosso bispo comunista era: “mudança”. Lembro-me de uma frase mais ou menos assim: “Feliz daquele que entende que é preciso mudar muito para continuar sendo sempre o mesmo”. Creio que o livro chamava-se Rosas para Meu Deus.

            Os elementos estão todos aí. Fechem uma rua; coloquem algumas bandeiras; usem a carroceria de um caminhão como palanque; deem um microfone a um cabra com voz grossa e, antes que ele termine, gritem: “Já ganhou!”

            Pois bem, assim começa a fala, imagino que com muito mais simpatia fonética, do Dom Lourenço: “O dia em que a Terra parou”. Um monge do Rio de Janeiro que começa um artigo citando um roqueiro baiano para defender a Tradição católica? O que começa errado não termina bem. Esse Dom Lourenço é fogo!  Explicar a um aluno do ensino fundamental que a Inquisição foi boa seria uma tarefa muito mais simples.

            O mitômano[1] é detalhista, e a participação no seu mundo imaginário torna-se um imperativo categórico. Seu mundo não é simples, trata-se de um sistema muito bem elaborado onde as premissas (do seu sistema lúdico) devem ser consideradas válidas antes de qualquer argumentação. É como se eu tivesse a oportunidade de dizer a Chico Xavier que todas as suas palavras e escritos são mentiras. Imagino que ele responderia, com uma serenidade psicótica: “Eu te perdoo” ou algo do tipo: “Agora estamos quites pela outra encarnação”.

           Um dos clássicos da literatura infantil nos dá outro exemplo:

 “Regra Quarenta e Dois. Todas as pessoas com mais de um quilômetro de altura devem deixar a corte.

Todo mundo olhou para Alice.

Eu não tenho um quilômetro de altura, disse Alice.

Tem, disse o Rei.

Quase dois quilômetros de altura, acrescentou a Rainha.

Bem, não vou sair de jeito nenhum, disse Alice. Além do mais, essa não é uma regra regular, você acabou de inventá-la.

É a regra mais antiga do livro, disse o Rei.

Então deveria ser a Número 1, disse Alice.

O Rei empalideceu e fechou apressadamente o seu caderno de notas.”

Alice no País das Maravilhas
Lews Carroll

 

            O Senhor monge cria em sete pontos um verborrágico artigo, típico dos nervosinhos, tão somente para destilar sua bile contra Dom Tomás de Aquino.

“Eu tinha vontade de sacudi-lo, de mostrar que está em transe, que já não consegue mais raciocinar e ler o que realmente está escrito.”

            Todas as outras questões são acessórias, o principal está aqui.

“O que Dom Tomás diria, o que Dom Tomás faria, se um dos seus monges fosse à internet fazer críticas exageradas, caluniosas e irresponsáveis, contra o seu governo e contra a sua pessoa?”

            Lênin já dizia: “Acuse-os do que você faz”. Caro Dom Lourenço, responda-me, pois como o senhor lembrou muito bem: a internet está repleta de pessoas que mal conheceram a Tradição e se acham doutores da Igreja […]. O senhor é um monge sem mosteiro? É um monge diocesano? Como se dá a santificação de um religioso fora da vida comum? Como se dá a observância de seus votos de religião?

            Caro Dom Lourenço, o senhor diz que:

               Dom Tomás podia passar por cima da ordem das coisas e fazer Crismas marginais. Foi assim nos outros anos em que houve Crisma no Mosteiro? Foi assim quando organizou a patética Consagração das Virgens de duas religiosas desenganadas? Quando lhe convinha, Dom Tomás sabia muito bem usar a ordem normal das coisas, na Fraternidade. (grifo meu)

            Engraçado, o senhor escreveu em um artigo chamado “O Circo da Montfort”, de 2010 – recente –, que não mais encontrei em seu site, o seguinte:

6º erro do sr. Fedeli: Como o dono do circo começa o delírio chutando o palhaço para ver se ele chora e alegra a platéia, devo dizer que sou o último dos filhos de São Bento, mas não sou um “vagus”, que na linguagem da Santa Regra significa um monge “sem mosteiro, sem prior, sem abade”, como me acusa o inconsequente articulista. Sou monge do Mosteiro da Santa Cruz cujo prior é Dom Tomás de Aquino Ferreira da Costa. Se eu vivo no mosteiro ou não, isso não é da conta de ninguém, basta que as pessoas saibam que eu vivo na obediência. O que importa para as pessoas é saber se minha vida é escandalosa ou não. Aparentemente, devo me sentir em paz, pois tenho o respeito e a amizade de Dom Fellay, de Dom Galarreta, de Dom Tissier de Mallerais e, com muito orgulho, de Dom Williamson. Diga-me com quem andas e te direi quem és! (grifo meu)

            Caro Dom Lourenço, o senhor não se contenta e ainda tem a coragem de dizer: Dom Tomás tem esse mau costume de querer esconder-se, quando lhe convém.

 

             Continuemos…

 Aparentemente Dom Tomás e os 3 ou 4 padres que pregam a mesma posição, também não querem acordos com a Roma modernista. Mas o destempero de suas atitudes tenta impor, pela força do grito, sua opinião pessoal, pondo em risco a salvação das almas que a eles escutam. Por mais protegidos que estejam os meus fiéis, o escândalo causado por esses padres está por toda parte e deve ser reparado. (grifo meu)

             Quem está destemperado e aos gritos aqui? Vi um pequeno protesto do Pe. Cardoso, quando da lamentável declaração do Pe. Bouchacourt, que dizia o seguinte:

“até um simples padre, para agradar a seu chefe, tem o atrevimento de corrigir a um Bispo ou de inmiscuir-se na vida de uma congregação independente. Ameaça com romper pontes com os monges beneditinos do Brasil, quando já faz 20 anos que se gastam em criticar e somar-se aos ataques de um suposto monge exclaustrado faz 20 anos, vivendo por sua conta, e em desobediência absoluta à regra beneditina e à qual ele mesmo diz ser superior! Artimanhas que ele mesmo, como superior deste distrito, nos tratou de justificar e ocultar com mentiras, e que seus mandos aceitam e fomentam.”(grifo meu)

             O senhor vai dizer que isso é mentira?

            O ascetismo do Dom Lourenço é realmente impressionante. Vejamos como ele se refere a um dos grandes escândalos da Tradição dirigidos por Dom Fellay, algo até então nunca visto:

Quando Dom Tomás escreveu isso, já era de conhecimento público a realização das ordenações desses capuchinhos e dominicanos, em Bellaigue, no próximo dia 11 de outubro. Mais uma vez, o tempo parou em Nova Friburgo, e Dom Tomás continua a fazer críticas atrasadas.

            O cancelamento das ordenações ultrapassa as questões temporais, não estamos falando de uma ida ao cabeleireiro. Como podemos auferir os bens espirituais que não foram dispensados com o cancelamento, abrupto e inesperado, das ordenações? Quantas missas deixaram de ser celebradas até “o próximo dia 11 de outubro”? Muitos dos religiosos que iriam ser ordenados eram estrangeiros. Suas famílias gastaram pequenas fortunas, acumuladas no decorrer dos anos, para esse momento.

            Os capuchinhos estavam em Écône, em retiro, quando foram avisados de que Dom Fellay suspendera as ordenações para se “assegurar da fidelidade das comunidades amigas à Fraternidade”.

            Isso, sim, é um escândalo. Todavia, não menor do que um religioso que não se compadece dos seus confrades.

            Vários outros pontos poderiam ser abordados, mas considero que o fulcral é o seu ódio a Dom Tomás de Aquino. É o tão conhecido “não servirei”.  O resto são conseqüências. Sua percepção da Tradição no Brasil, ou mesmo da Coreia, é tão segura quanto pode ser a visão de um míope no fundo de uma piscina.

            Um monge sem mosteiro que fala pelos cotovelos e que tem vontade de “sacudir” outros monges mais velhos… Desculpe, mas fico pouco à vontade para o chamar de “Dom”. Pe. Pedro, nesse seu mimetismo de ser e não ser simultaneamente, é o termo mais adequado, ou mesmo mais “jovem”.

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[1] Mentiroso compulsivo mente com tanta convicção, que é capaz de crer na própria mentira. Faz da mentira sua principal qualidade. Adquire dependência da mentira e passa a ter necessidade de mentir.

DECLARAÇÃO DE DOM TOMÁS DE AQUINO

Diante do comunicado do Rev. Pe. Bouchacourt, o Mosteiro da Santa Cruz declara que chamou a Sua Ex. Dom Richard Williamson ao Brasil por considerá-lo um digno defensor da fé católica, capaz de confirmar na fé não só os monges de Santa Cruz, mas também as comunidades religiosas e os fiéis que veem com grande apreensão a nefasta política dos acordos práticos com Roma antes que Roma se converta de seus erros liberais e modernistas.

Por que os capuchinhos, os dominicanos e mesmo os beneditinos de Bellaigue tiveram seus candidatos afastados ou ameaçados de afastamento da recepção das ordens, senão por causa de sua oposição à política dos acordos? E isto quando Roma já não queria mais os acordos, ao menos por hora.

É faltar com a verdade calar as verdadeiras razões do que estamos vivendo. Por que a Dom Williamson se pediu que encerrasse seus “Comentários Eleison” senão por causa da doutrina aí exposta? Por que Dom Tissier de Mallerais teve de interromper suas pregações nos USA senão porque ele era contra a política dos acordos? Por que o Pe. Koller foi ameaçado de punição senão porque pregou contra esta mesma política? Por que os Revdos Padres Cardozo, Chazal, Pfeiffer e outros foram ou punidos ou expulsos senão por causa da sua oposição a esta mesma política?

Cuidado, havia advertido Dom de Galarreta há alguns meses:

“Para o bem da Fraternidade… e da Tradição, é necessário fechar bem depressa a ‘caixa de Pandora1,1 a fim de evitar o descrédito e a demolição da autoridade, das contestações, das discórdias e das divisões, talvez sem retorno.”

E Dom de Galarreta perguntava quais seriam as condições requeridas para uma proposta totalmente aceitável, ou seja, para uma vitória que só pode ser doutrinal, pois neste combate tudo repousa sobre a fé. E ele mesmo respondia remetendo-se aos textos de Dom Lefebvre citados em sua exposição.

Citemos um destes textos:

“Nós não temos a mesma maneira de conceber a reconciliação. O Cardeal Ratzinger a vê no sentido de nos reduzir, de nos conduzir ao Vaticano II. Nós, nós a vemos como um retorno de Roma à Tradição. Nós não nos entendemos. É um diálogo de surdos. Eu não posso falar muito do futuro, pois o meu está atrás de mim. Mas, se eu viver ainda um pouco e supondo que daqui a certo tempo Roma faça um chamado querendo me rever, querendo retomar as conversações, neste momento então serei eu que porei as condições. Eu não aceitarei mais ficar na situação em que nós nos encontramos durante os colóquios.2 Está terminado.

Eu porei a questão no plano doutrinal: ‘Os senhores estão de acordo com as grandes encíclicas de todos os Papas que vos precederam? Os senhores estão de acordo com Quanta Cura de Pio IX, Immortale Dei e Libertas de Leão XIII, Pascendi de Pio X, Quas Primas de Pio XI, Humani Generis de Pio XII? Os senhores estão em plena comunhão com estes Papas e suas afirmações? Os senhores aceitam ainda o juramento antimodernista? Os senhores são pelo reino social de Nosso Senhor Jesus Cristo?

Se os senhores não aceitam a doutrina de seus predecessores, é inútil falarmos. Enquanto os senhores não aceitarem reformar o Concílio considerando a doutrina destes Papas que vos precederam, não há diálogo possível. É inútil.” (Fideliter, n°66, novembre-décembre 1988, pp. 12-13)

Conclusão. A “caixa de Pandora” não foi realmente fechada, já que a linha traçada por Dom Lefebvre não está sendo seguida.

Mas provavelmente o Rev. Pe. Bouchacourt dirá que, ao contrário, no Capítulo Geral tudo foi acertado. Tudo está em perfeita ordem. Infelizmente esta não é a verdade. O Capítulo Geral manteve o objetivo dos acordos numa base diferente da exposta acima por Sua Exc. Dom Marcel Lefebvre. Leiam os Comentários Eleison de Dom Williamson sobre as seis condições e verão como as resoluções do Capítulo Geral são insuficientes e diferentes das de Dom Lefebvre.

Outros dirão: o que o senhor tem com isso? Tenho, porque a fé é um bem comum da Igreja e eu pertenço à Igreja e tenho, além disso, responsabilidades em relação aos monges de Santa Cruz e aos fiéis que nos manifestam sua confiança.

Mas dirão ainda: a obediência transfere as responsabilidades aos superiores, e obedecendo ninguém se engana. Infelizmente as coisas não são tão simples. Foi assim que a maioria dos Bispos aceitou o Concílio Vaticano II.

Mas dirão ainda: o senhor está contribuindo para dividir a Tradição. Respondo que a união deve se fazer em torno da verdade, ou seja, da fé católica, e as palavras e atitudes de Dom Fellay já não são, infelizmente, as de um discípulo de Dom Lefebvre, que, ele sim, defendeu a verdade sem concessões. Por que silenciar Dom Williamson e Dom Tissier de Mallerais? Leiam a carta dos três bispos a Dom Fellay e a seus assistentes e lá os senhores encontrarão a razão do combate da Tradição e a razão de nossa atitude.

Corção repetia sem cessar que uma falsa noção de caridade e de união fazia estragos profundos na resistência católica. Quando se separa a caridade da verdade, a caridade deixa de ser caridade. Muitos, mesmo entre os seus amigos, o acusavam de faltar com a caridade por causa de seus artigos. Mas a primeira caridade é dizer a verdade. Era Corção que tinha razão, como os fatos o demonstraram. A mesma acusação foi feita contra Dom Lefebvre.

Quanto à união, Corção dizia com humor que a experiência lhe havia ensinado que, contrariamente ao ditado popular: “a união faz a força”, ele havia tristemente constatado que frequentemente a união faz a fraqueza. E por quê? Porque uma união fora da verdade, uma união feita de concessões, uma união que sacrifica a fé é uma fraqueza que “torna fraca a forte gente”. E não foi isto que se passou com o Concílio Vaticano II? Para o bem da união com Paulo VI, muitos bispos acabaram assinando documentos inaceitáveis. A união fez não a força, mas o contrário dela.

Ora, hoje na Tradição querem que nós nos unamos a todo o custo com os que creem que os erros do Concílio não são tão graves assim, que 95% do Concílio é aceitável, que a Liberdade Religiosa de Dignitatis Humanae é muito, muito limitada, que não se deve fazer dos erros do Concílio super-heresias. Mas isto não é verdade. O Concílio foi o maior desastre da história da Igreja desde a sua fundação, como diz Dom Lefebvre no seu livro Do Liberalismo à Apostasia. Se é para construirmos ou nos unirmos nestas bases, eu prefiro me abster e trabalhar para a restauração integral da fé católica como sempre nos aconselhou e exortou Dom Marcel Lefebvre, esperando que a Fraternidade se revigore novamente na fé, como espero que o faça, pois ela tem os meios para isso, já que conta com excelentes Bispos e excelentes sacerdotes.

Quanto à acusação de que eu enganei os fiéis, dando a falsa impressão de que convidei Dom Williamson com todas as permissões de Dom Fellay, posso afirmar que não o escondi a ninguém, desde há muito tempo, nossa oposição à política de Dom Fellay; e, mesmo que o povo brasileiro seja um pouco ingênuo, não creio que o seja tanto quanto pensa o Rev. Pe. Bouchacourt. O contrário é que me parece ser verdade. Quem não sabe que Dom Williamson é malvisto em Menzingen? Porém aqui ele é bem-visto, pois a obediência só é uma virtude se estiver submissa a virtudes maiores, e acima de tudo à fé, à esperança e à caridade. Fazer da obediência uma arma para paralisar a Tradição é repetir o golpe de mestre de Satanás, como disse Dom Lefebvre, que pôs toda a Igreja na desobediência à sua própria Tradição, por obediência. Isto nós não faremos.

Digam o que disserem. Há um problema, e este problema é de fé e ele é grave. Quanto a nós, nossa posição já está tomada. Ela é a de apoio a quem defende a fé como fizeram Dom Lefebvre, Dom Antônio de Castro Mayer, São Pio X e toda a Tradição da Igreja. Se tivermos de sofrer por causa disto, sofreremos, pois Nosso Senhor nos preveniu: “Quem quiser viver piedosamente no Cristo Jesus, sofrerá perseguição” (2 Tim. 3, 12).

Quanto à Fraternidade, nós a consideramos como a obra providencial fundada por um Bispo que levou ao mais alto heroísmo as virtudes mais difíceis, que são aquelas para as quais Deus criou os dons de sabedoria, de inteligência, de conselho, de força, de ciência, de piedade e de temor de Deus. Dom Lefebvre, nós o consideramos como uma luz que brilhou nas trevas do mundo moderno, e a Fraternidade é sua obra e sua herdeira, mas com a condição de ser fiel à graça recebida. Nós rezamos por ela e, se nos opomos à política de Dom Fellay, não é por nenhum desejo hostil contra a Fraternidade, mas por amor a ela e ao próprio Dom Fellay, assim como amamos a Santa Igreja e por amor a ela combatemos o liberalismo e o modernismo de seus inimigos que se instalaram dentro dela. Que Deus abençoe e salve a Fraternidade São Pio X, à qual devo tudo o que recebi de melhor, tanto no que diz respeito à fé como no que diz respeito ao sacerdócio, que recebi das mãos de Sua Ex. Dom Marcel Lefebvre.

ir. Tomás de Aquino

8 de setembro de 2012

Natividade de Nossa Senhora

1 Na mitologia grega Pandora designava a primeira mulher que, tomada de curiosidade, abriu a caixa enviada por Zeus que continha todos os males, os quais saindo da caixa deixaram no fundo apenas a esperança.

2 Dom Lefebvre faz alusão aos colóquios de antes das sagrações de 1988.

Carta ao Conselho Geral da FSSPX

7 de abril de 2012

Senhor Superior Geral

Senhor Primeiro Assistente

Senhor Segundo Assistente

Depois de alguns meses, como muitos dizem, o Conselho Geral da FSSPX considera seriamente as propostas romanas com vista a um acordo prático, sendo um fato que as discussões doutrinárias entre 2009 e 2011 têm provado que um acordo doutrinário é impossível com a Roma atual. Por meio desta carta, os três bispos da FSSPX que não fazem parte do Conselho Geral desejam fazer-lhes saber, com todo o respeito que convém, a unanimidade de sua oposição formal a qualquer acordo semelhante.

Claro, de ambos os lados da divisão atual entre a Igreja Conciliar e a FSSPX, muitos desejam restaurar a unidade católica. Honramos a essas pessoas, tanto de uma parte como de outra. Mas a realidade dominante, e diante da qual todos esses desejos sinceros devem ceder, é que, desde o Concílio Vaticano II, as autoridades oficiais da Igreja se afastaram da verdade católica e, hoje em dia, elas se mostram tão determinadas como sempre foram a permanecerem fieis à doutrina e à prática conciliares. As discussões romanas, o preâmbulo doutrinal e Assis III são exemplos impressionantes.

O problema colocado aos católicos pelo Concílio Vaticano II é profundo. Em uma conferência que parece ter sido como que o último testamento doutrinal de Monsenhor Lefebvre, dada aos sacerdotes de sua Fraternidade em Ecône meio ano antes de sua morte, depois de ter resumido a história do catolicismo liberal saído da Revolução Francesa, ele lembrou como os Papas sempre combateram essa tentativa de reconciliação entre a Igreja e o mundo moderno, e declarou que o combate da Fraternidade contra o Vaticano II era exatamente o mesmo combate, concluindo:

Quanto mais se analisam os documentos do Vaticano II e sua interpretação pelas autoridades da Igreja, mais nos damos conta que não se trata de erros superficiais nem de alguns erros particulares, como o ecumenismo, a liberdade religiosa, a colegialidade, mas antes uma perversão total do espírito, de toda uma filosofia nova fundada no subjetivismo… Isso é muito sério! A perversão total!… Isto é verdadeiramente espantoso”.

Agora, o pensamento de Bento XVI é melhor em comparação ao de João Paulo II? Basta ler o estudo de um de nós sobre La Foi au Péril de la Raison [A Fé Posta em Perigo pela Razão – Mons. Tissier de Mallerais] para perceber que o pensamento do Papa atual é igualmente impregnado de subjetivismo. É toda a fantasia subjetiva do homem no lugar da realidade objetiva de Deus. É toda a religião católica submissa ao mundo moderno. Como se pode acreditar que um acordo prático possa corrigir um problema desses?

Mas, nos diriam, Bento XVI é bondoso para com a Fraternidade e sua doutrina. Por ser um subjetivista, ele pode ser bondoso, porque os liberais subjetivistas podem tolerar a própria verdade, mas não se ela se recusar a tolerar o erro. Ele [o Papa] nos aceitará no contexto de um pluralismo relativista e dialético, sob a condição de permanecermos em “plena comunhão” com a autoridade e com as outras “realidades eclesiais”. Eis por que as autoridades podem tolerar que a Fraternidade continue ensinando a doutrina católica, mas não suportarão de forma alguma que ela condene a doutrina conciliar. Aqui está o motivo por que um acordo, mesmo puramente prático, faria necessária e progressivamente calar, por parte da Fraternidade, toda crítica ao Concílio ou à nova missa. Deixando de atacar essas vitórias, que são as mais importantes da Revolução, a Fraternidade cessaria necessariamente de se opor à apostasia universal de nossa lamentável época e afundaria a si mesma. Em última análise, quem vai nos garantir que permaneceremos tal qual somos, protegendo-nos da Cúria Romana e dos Bispos? O Papa Bento XVI?

Por mais que se negue, este resvalamento é inevitável. Não se veem já na Fraternidade os sintomas dessa diminuição na confissão da Fé? Hoje em dia, infelizmente, é o contrário que seria “anormal”. Um pouco antes das consagrações de 1988, quando muitas pessoas valentes insistiam junto a Monsenhor Lefebvre para que fizesse um acordo prático com Roma que abriria um grande campo de apostolado, ele disse seu pensamento aos quatro consagrandos: “Um grande campo de apostolado pode ser, mas na ambiguidade e seguindo duas direções opostas ao mesmo tempo, o que acabaria por nos apodrecer”.

Como obedecer e continuar a pregar toda a verdade? Como fazer um acordo sem que a Fraternidade apodreça na contradição?

E quando, um ano mais tarde, Roma parecia fazer verdadeiros gestos de benevolência para com a Tradição, Monsenhor Lefebvre ainda desconfiava. Ele temia que isso não fosse nada mais que “manobras para tirar de nós o maior número possível de fiéis. Eis aqui a perspectiva pela qual parecem ceder ainda um pouco mais e ir ainda mais longe. Devemos absolutamente convencer nossa gente de que isso nada mais é do que uma manobra, que é perigoso se colocar nas mãos dos bispos conciliares e da Roma modernista. É o maior perigo que ameaça a nossa gente. Se nós lutamos há 20 anos para resistir ao erro conciliares, não foi para nos colocarmos, agora, nas mãos daqueles que professam erros”.

Conforme Mons. Lefebvre, o propósito da Fraternidade, mais do que denunciar os erros pelo seu nome, é opor-se eficaz e publicamente às autoridades romanas que os difundem. Como se poderia conciliar um acordo e uma resistência às autoridades públicas, entre as quais o Papa? E, depois de ter lutado por mais de quarenta anos, a Fraternidade deverá agora colocar-se nas mãos dos modernistas e liberais dos quais acabamos de constatar sua pertinácia?

Monsenhor, padres, prestem atenção, vocês conduzem a Fraternidade a um ponto sem retorno, a uma profunda divisão sem volta e, se vocês chegarem a um tal acordo, à poderosas forças destrutivas que Ela não irá suportar. Se até agora os bispos da Fraternidade a têm protegido é precisamente porque Mons. Lefebvre rejeitou um acordo prático. Dado que a situação não mudou substancialmente; e visto que a condição pronunciada pelo Capítulo de 2006 não se realizou (mudança de rumo por parte de Roma que permita um acordo prático), ouçam novamente a seu Fundador. Ele tinha razão há 25 anos. Ainda tem razão hoje. Em seu nome, vos conjuramos: não comprometam a Fraternidade em um acordo puramente prático.

Com as nossas mais cordiais e fraternas saudações, em Cristo e Maria,

Dom Alfonso de Galarreta

Dom Bernard Tissier de Mallerais

Dom Richard Williamson

 

Em Defesa da Integridade da Fé!

Questões à cerca do chamado “Repouso no Espírito Santo” promovido pela Renovação Carismática Católica.

CARTA ENCÍCLICA
MAGNAE DEI MATRIS
 DE SUA SANTIDADE
PAPA LEÃO XIII

A todos os Veneráveis Irmãos Patriarcas,
Primazes, Arcebispos,
Bispos do Orbe Católico em graça
e comunhão com a Sé Apostólica,
sobre o Rosário de Nossa Senhora
.

Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.

A devoção do Santo Padre a Maria

1. Todas as vezes que nos é dado o ensejo de aumentar no povo cristão o culto e o amor à gloriosa Mãe de Deus, a Nossa alegria e a Nossa satisfação chegam ao auge. E isto porque a coisa não só é de per si importantíssima – e fecunda de bons frutos, mas também se harmoniza do melhor modo com os sentimentos mais íntimos do Nosso coração.

Sugada, na verdade, com o leite materno, depois a Nossa piedade para com Maria veio sempre crescendo e consolidando-se em Nós, com o passar dos anos. E isto porque a Nossa inteligência sempre mais claramente compreendia o quanto era digna de amor e de louvor aquela a quem ó próprio Deus amou em primeiro, e com tal afeto que a elevou acima de todas as criaturas, a enriqueceu dos dons mais magníficos, e a escolheu, enfim, para sua Mãe. Por outra parte, as numerosas e fúlgidas provas da sua bondade e benevolência para conosco – provas que Nós não podemos recordar sem a mais profunda gratidão e sem derramar lágrimas de emoção – aumentaram sempre mais em Nós esta piedade, e mais ardentemente a inflamaram.

Porquanto, no meio das muitas, variadas e terríveis vicissitudes que temos atravessado, sempre temos recorrido a ela, e para ela temos sempre volvido o Nosso olhar. E, depois de depositar no seu seio todas as Nossas esperanças e todos os Nossos temores, alegrias e tristezas, foi Nossa constante solicitude suplicá-la, para que se dignasse de, em todas as ocasiões, assistir-nos como uma mãe terníssima, e alcançar-nos, em troca, o singular favor de podermos testemunhar-lhe o Nosso afeto devoto e filial.

Quando, depois, por misterioso desígnio de Deus fomos chamado à Cátedra de S. Pedro, para representarmos na Igreja a própria pessoa de Jesus Cristo, aterrados com o peso enorme deste ofício, e não tendo nenhuma confiança nas Nossas próprias forças, com afeto ainda mais intenso solicitamos a divina assistência, mediante a maternal proteção da Virgem.

E o Nosso coração exulta em proclamar que, no curso de toda a Nossa vida, mas especialmente no exercício do Nosso Supremo Apostolado, a Nossa esperança nunca deixou de ser coroada ou pelo desejado êxito ou, ao menos, por um doce conforto. Após tal experiência, a Nossa esperança alça-se agora mais confiante, enquanto pedimos, com o seu favor e pela sua intercessão, graças ainda mais copiosas e mais importantes, para a salvação do rebanho cristão e para a maior glória da Igreja.

Justo é, pois, e oportuno, Veneráveis Irmãos, que dirijamos a todos os Nossos filhos palavras de incitamento – às quais ajuntareis a vossa exortação -a fim de que eles queiram celebrar o próximo mês de Outubro, consagrado à augusta Senhora e Rainha “do Rosário”, com redobrando fervor, igual às acrescidas necessidades dos tempos.

A audácia dos ímpios

2. Já agora é de todos conhecidíssimo com quantos e quais meios de corrupção a malícia do mundo iniquamente se esforça por enfraquecer e por extirpar inteiramente dos corações a fé cristã e a observância da lei divina, que alimenta esta fé e a faz frutificar. E já por toda parte o campo do Senhor, como que talado por uma terrível peste, quase se asselvaja, pela ignorância da religião, pelo erro e pelos vícios. E o que é ainda mais doloroso é que aqueles que teriam o poder disso, antes, que disso teriam o sagrado dever, longe de porem um freio ou de infligirem justas penas a uma perversidade tão arrogante e culposa, muitas vezes, pelo contrário, parece que a tal audácia dêem incentivo, ou pela sua inércia, ou com o seu apoio.

Por isto, com bem razão deve contristar-nos que às escolas públicas tenha sido deliberadamente dada uma organização tal que consente que o nome de Deus seja nelas calado ou ali seja ultrajado; devemo-Nos entristecer com a licença, cada vez mais disfarçada, de imprimir ou pregar toda sorte de ultrajes contra Cristo, Deus e a Igreja. Nem é menos deplorável esse conseqüente langor e entibiamento da prática cristã, se não é uma franca apostasia da fé, certamente está próximo de vir a sê-lo; porque a prática da vida já agora não é mais aderente à fé. Quem considerar esta perversão e esta ruína dos interesses mais vitais, certamente não se admirará se por toda parte as nações vão gemendo sob o peso dos castigos divinos, e são consternadas pelo temor de calamidades ainda mais graves.

Necessidade de praticar o Rosário

3. Ora, para aplacar a majestade de Deus ofendida, e para proporcionar o necessário remédio àqueles que tanto sofrem, certamente não há melhor meio do que a oração devota e perseverante, contanto que unida ao espírito e à prática da vida cristã. Para alcançarmos, pois, estes dois escopos, consideramos que o meio mais indicado é o “Rosário Mariano”. A sua poderosíssima eficácia tem sido experimentada e exaltada desde a sua bem conhecida origem; conforme notáveis documentos atestam, e como Nós mesmo, mais de uma vez, temos lembrado.

Quando a seita dos Albigenses -aparentemente paladina da integridade da fé e dos costumes, mas, na realidade, perturbadora e péssima corruptora dela – era para muitos povos causa de grande ruína, a Igreja combateu contra ela e contra as suas infames facções, não com milícias ou com armas, mas principalmente com a força do santo Rosário, que o patriarca S. Domingos propagou, por inspiração da própria Mãe de Deus. Assim, gloriosamente vitoriosa de todos os obstáculos, a Igreja, nessa como em outras tempestades semelhantes, proveu sempre com esplêndido êxito à salvação de seus filhos.

Por isto, na presente situação, que Nós deploramos como lutuosa para a religião e perigosíssima para a sociedade, é necessário que todos juntos – com piedade igual à dos nossos antepassados – roguemos e supliquemos a grande Mãe de Deus, para que, consoante os votos comuns, possamos alegrar-nos de haver experimentado igual eficácia do seu Rosário.

E, verdadeiramente, quando recortemos a Maria recorremos à Mãe da misericórdia; a qual está tão bem disposta para conosco, que em qualquer necessidade nossa, sobretudo nas espirituais, ela logo, espontaneamente, sem sequer ser invocada, vem em nosso socorro, e faz-nos participar desse tesouro de graça cuja plenitude ela desde o princípio recebeu de Mãe. Esta Deus, para que pudesse tornar-se sua digna superabundância de graça – o mais eminente dos seus outros inúmeros privilégios – é que eleva a Virgem muito acima de todos os homens – e de todos os Anjos, e a aproxima de Cristo, mais do que se aproxima qualquer outra criatura: “É coisa grande em qualquer santo o possuir tanta graça que baste para a salvação de muitos: mas, se ele a tivesse tanta que bastasse para a salvação de todos os .homens do mundo, isto seria o máximo; e isto se verifica em Cristo e na bem-aventurada Virgem” (S. Tomás, op. VIII, Super Salutatione Angelica).

As ternuras de nossa Mãe Celeste

4. Difícil é, pois, dizer o quanto se torna agradável a Maria o nosso obséquio, quando a saudamos com louvor do Anjo, e depois repetimos o mesmo elogio, como que formando com ele uma devota coroa. Porque, a cada vez, nós como que despertamos nela a lembrança da sua sublime dignidade e da redenção do gênero humano, iniciada por Deus por meio dela: por conseqüência, nós também lhe recordamos esse divino e indissolúvel vínculo com que ela está unida às alegrias e às dores, às humilhações e aos triunfos de Cristo, em guiar e em assistir os homens para a salvação eterna. Jesus Cristo, na sua bondade, quis assemelhar-se a nós e dizer-se e mostrar-se filho do homem, e por isto nosso irmão, a fim de que mais luminosa nos aparecesse a sua misericórdia para conosco: “Em tudo ele teve de ser feito semelhante a seus irmãos, para se tornar misericordioso” (Heb 2, 17).

Assim Maria, pelo fato de haver sido escolhida como Mãe de Jesus, Nosso Senhor – que é ao mesmo tempo nosso irmão – teve, entre todas as mães, a singular missão de manifestar e de derramar sobre nós a sua misericórdia. Além disto, assim como nós somos devedores a Cristo de nos haver, de certo modo, tornado participantes do seu próprio direito de chamar e de ter a Deus por pai, assim também lhe somos igualmente devedores de nos haver amorosamente tornado participantes do seu direito de chamar e de ter Maria por Mãe.

E, visto como, por natureza, o nome de mãe é entre todos o mais doce, e no nome de mãe está posto o termo de comparação de todo amor terno e solícito, todas as almas piedosas sentem – embora a sua língua não consiga exprimi-lo – que uma imensa chama de amor condescendente e operoso arde em Maria, que, não por natureza, mas por vontade de Cristo, é nossa Mãe. Por isto ela vê e penetra, muito melhor do que qualquer outra mãe, todas as nossas coisas: as necessidades da nossa vida; os perigos públicos e particulares que nos ameaçam; as dificuldades e os mates em que nos debatemos; e sobretudo a áspera luta que devemos sustentar para a salvação da alma, contra inimigos violentíssimos.

E nestas, como em todas as outras angústias da vida, mais do que qualquer outro ela pode e deseja trazer a seus caríssimos filhos consolação, força, auxílio de todo gênero. Recorramos, pois, confiantes e alegres a Maria. Supliquemo-la por esses laços maternos com que ela está tão estreitamente unida a Jesus e a nós. E invoquemos com máxima devoção o seu poderoso auxílio, servindo-nos dessa fórmula de oração que ela mesma nos indicou e que lhe é tão grata. Então poderemos, com razão, repousar com coração tranqüilo e alegre sob a proteção da mais terna entre as mães.

O Rosário reaviva a nossa fé

5. Além do valor que o Rosário tira da própria natureza da oração, ele contém uma maneira fácil para fazer penetrar e inculcar nas almas os dogmas principais da fé cristã; o que certamente constitui outro título insigne de recomendação. De feito, é sobretudo pela fé que o homem direta e seguramente se aproxima de Deus e aprende a adorar com a mente e com o coração a imensa majestade desse Deus único, a sua autoridade sobre todas as coisas, o seu sumo poder, a sua sabedoria e a sua providência: “porquanto, quem se aproxima de Deus deve crer que Ele existe, e que é remunerador daqueles que o procuram” (Heb 11, 6). Mas, visto que o eterno Filho de Deus assumiu a natureza humana, viveu no meio de nós, e continua a ser para nós caminho, verdade e vida, por isto é necessário que a nossa fé abrace também os profundos mistérios da augusta Trindade das divinas pessoas, e do Filho unigênito do Pai, feito homem: “E a vida eterna é esta: que eles conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17, 3).

Em verdade, Deus nos deu um benefício inestimável quando nos deu esta santa fé; porque, por meio dela, nós não só nos elevamos acima de todas as coisas humanas, até nos tornarmos como que contempladores e participantes da natureza divina, mas adquirimos outrossim um direito, de mérito imenso, às eternas recompensas. De modo que se alimenta e se consolida em nós a esperança de que um dia poderemos contemplar a Deus, não mais através das pálidas imagens das coisas criadas, porém no seu pleno esplendor, e poderemos gozar eternamente d’Ele, nosso sumo bem. Mas o cristão é de tal forma empolgado pelas diversas preocupações da vida, e se inclina tão facilmente para as vaidades deste mundo, que, sem uma freqüente e salutar evocação, pouco a pouco esquecerá as coisas mais importantes e mais necessárias, e destarte a sua fé se esmorecerá e finalmente se extinguirá.

Para preservar seus filhos deste gravíssimo perigo da ignorância, a Igreja não descura nenhum dos meios que a sua vigilância e a sua solicitude lhe sugerem; e o Rosário em honra de Maria não é, certamente, o último que ela emprega para sustentar a fé. Com efeito, com a sua maravilhosa e eficaz oração, ordenadamente repetida, ele nos leva à recordação e à contemplação dos principais mistérios da nossa religião: em primeiro lugar, daqueles pelos quais “o Verbo se fez carne” e Maria, Virgem intacta e Mãe, lhe prestou com santa alegria os seus maternais ofícios. Vêm depois as amarguras, os tormentos, a morte de Cristo, preço da salvação do gênero humano.

Finalmente, são os mistérios gloriosos: o triunfo sobre a morte, a ascensão ao céu, a descida do Espírito Santo; o esplendor radiante de Maria assunta ao céu, e, por último, com a glória da Mãe e do Filho, a glória eterna de todos os Santos. E esta a ordenada sucessão de inefáveis mistérios no Rosário é freqüente e insistentemente evocada à memória dos fiéis, e como que desenrolada diante dos seus olhos; de modo que aqueles que rezam bem o Rosário têm a alma inundada por ele de uma doçura sempre nova, experimentam a mesma impressão e emoção que experimentariam se ouvissem a própria voz de sua dulcíssima Mãe, no ato de lhes explicar esses mistérios e de lhes dirigir salutares exortações.

Não poderá, pois, parecer excessiva a Nossa afirmação, se dissermos que a fé absolutamente não deve temer os perigos da ignorância e dos nefastos erros naqueles lugares, no seio daquelas famílias e no meio daqueles povos onde se mantém na primitiva honra a prática do Rosário.

O Rosário, estímulo para obras santas

6. Mas há outra utilidade, não menos importante, que do Rosário a Igreja espera para seus filhos, ou seja, a de empenhá-los em conformar a sua vida e os seus costumes às normas e aos preceitos da santa fé. De todos é conhecida a divina afirmação de que “a fé sem as obras é ineficaz” (Tiago 2, 20); porque a fé haure vida da caridade, e a caridade se manifesta numa floração de ações santas. Por isto o cristão certamente não tirará nenhum proveito da sua fé para a aquisição da eternidade, se por esta sua fé não houver inspirado a sua conduta. “Que adianta, irmãos meus, se um diz que tem fé, mas não tem as obras? Acaso poderá salvá-lo a fé?” (Tiago 2, 14).

Antes, tais cristãos serão por Cristo juiz bem mais asperamente exprobrados do que aqueles míseros que não conhecem nem a fé nem a moral cristã; porque estes últimos não crêem de um modo e vivem de outro, como sem razão fazem aqueles outros, mas, sendo privados da luz do Evangelho, têm uma certa atenuante, ou certamente a sua culpa é menos grave.

Ora, a contemplação dos mistérios propostos no Rosário ajuda a fazer brotar da nossa fé uma abundante e alegre messe de frutos, porque incita maravilhosamente a alma a propósitos de virtude. Ora, que sublime e esplêndido exemplo nos oferece, sob todos os aspectos, a obra de salvação realizada por Nosso Senhor Jesus Cristo! O grande, o onipotente Deus, impelido por um excesso de amor para conosco, abaixa-se até à condição do mais mísero homem; entretém-se conosco como um de nós; conversa fraternalmente, ensina os indivíduos e as multidões em toda ordem de justiça; mestre eminente pela sua palavra, Deus pela sua autoridade.

Mostra-se pródigo de benefícios para com todos; cura os que sofrem de moléstias corporais, e com misericórdia paternal leva alívio às moléstias, mais graves estas, da alma; de modo particular volve-se para aqueles que estão abatidos pela dor, ou estão oprimidos pelo peso das suas inquietações, e convida-os: “Vinde a mim, vós todos que estais fatigados e oprimidos, e eu vos consolarei” (Mt. 11, 28). Quando, pois, repousamos nos seus braços, Ele nos inspira algo desse místico fogo que Ele trouxe aos homens; infunde-nos amorosamente algo da mansidão e da humildade de sua alma; e deseja que, pela prática destas virtudes, nós nos tornemos participantes da paz verdadeira e estável, de que Ele é o autor. “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis repouso para vossas almas” (Mt. 11, 29).

Todavia, em compensação de tanta luz de sabedoria celeste e da abundância de tão excepcionais benefícios, que deveriam granjear-lhe a gratidão dos homens, Ele sofreu o ódio e os insultos mais atrozes; sem embargo, quando, pregado na cruz, derrama todo o seu sangue, não tem desejo mais ardente do que este: por meio da sua morte regenerar os homens para a vida. Absolutamente não é possível que alguém considere e contemple atentamente estes belíssimos testemunhos de amor do nosso Redentor, sem arder de viva gratidão para com Ele.

Antes, a fé, se for autêntica, terá então um poder tal, que, iluminando a mente do homem e comovendo-lhe o coração, como que o arrastará a seguir as pegadas de Cristo, através de todos os obstáculos, até fazê-lo prorromper naquele protesto digno de Paulo: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a perseguição, ou a espada?” (Rom. 8, 35). “…já não vivo eu, mas vive em mim Cristo” (Gal. 2, 20).

O Rosário nos revoca aos exemplos de Maria

7. Mas, para que nós, aterrados pela consciência da nossa natural fragilidade, não desfaleçamos em face dos exemplos verdadeiramente sublimes de Cristo, Deus e Homem, juntamente com os seus mistérios oferecem-se à nossa contemplação os mistérios de sua Mãe Santíssima. Ela descende, é verdade, da linhagem real de David; ruas da riqueza e do esplendor dos seus antepassados não lhe resta mais nada; leva uma vida obscura, numa humilde cidade, e numa casa ainda mais humilde; tanto mais satisfeito com a sua solidão e com a sua pobreza quanto pode, com coração mais livre, elevar-se a Deus, e unir-se totalmente ao seu sumo e desejadíssimo bem. Mas o Senhor está com ela, e cumula-a e a faz bem-aventurada da sua graça. E é justamente ela que o celeste mensageiro designa como a mulher da qual, por virtude do Espírito Santo, deverá vir para entre nós homens o esperado Salvador das gentes.

Quanto mais ela admira a sublime altura da sua dignidade, e por ela rende graças à onipotente e misericordiosa bondade de Deus, tanto mais se humilha e se julga destituída de toda virtude. E, enquanto se Lhe torna a Mãe, sem hesitação se proclama e se protesta sua escrava. E, conforme santamente prometeu, santa e prontamente estabelece desde então uma perpétua comunhão de vida com seu Filho Jesus, tanto na alegria como no pranto. Assim ela atingirá tal altura de glória qual nenhum homem nem Anjo poderá jamais atingir, porque ninguém poderá ser-lhe jamais comparado em virtude e em méritos. Assim, a ela caberá a coroa do Céu e da terra, porque ela se tornará a invicta Rainha dos mártires. Assim, na celeste cidade de Deus, ela se assentará, eternamente coroada, junto de seu Filho, porque constantemente, durante toda a sua vida, porém de modo particular no Calvário, beberá com Ele o cálice transbordante de amargura.

Eis, portanto, que a bondade e a Providência divina nos deu em Maria um modelo de todas as virtudes, todo feito para nós. Porque, considerando-a e contemplando-a, as nossas almas já não ficam ofuscadas pelos fulgores da divindade, senão que, atraídas pelos vínculos íntimos de uma comum natureza, com maior confiança se esforçarão por imitá-la. Se, amparados pelo seu eficaz auxílio, nós nos dedicarmos com todas as nossas forças a esta obra, certamente conseguiremos reproduzir em nós ao menos algum traço de tão grande virtude e santidade; e, depois de havermos imitado a sua admirável conformidade com as divinas vontades, poderemos juntar-nos a Ela no céu.

Se bem que a nossa peregrinação terrena seja áspera e eriçada de dificuldades, caminhemos intrépidos e corajosos rumo à meta. E, nas nossas penas, nos nossos trabalhos, não cessemos de estender pára Maria as nossas mãos súplices, dizendo com a Igreja: “A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas Eia, pois, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei! Dai-nos uma vida pura, preparai-nos uma trilha segura, para que possamos gozar eternamente da vida de Jesus” (Da sagrada liturgia). E ela, que, mesmo sem jamais a haver experimentado, conhece a fraqueza e a corrupção da nossa natureza, ela que é a melhor e a mais solícita de todas as mães, oh! como virá propícia e pressurosa em nosso auxílio! E com que ternura nos consolará! Com que força nos sustentará! Percorrendo a trilha, consagrada pelo Sangue de Cristo e pelas lágrimas de Maria, também nós chegaremos, segura e facilmente, à participação da bem-aventurada glória.

Os exemplos da Sagrada Família

8. Portanto, já que no Rosário de Maria Virgem estão bem e tão utilmente conjugados uma excelente fórmula de oração, um meio eficaz para conservar a fé, e um insigne ideal de virtude perfeita, bem justo é que os verdadeiros cristãos o tenham freqüentemente nas mãos, o rezem e o meditem piedosamente. De modo particular dirigimos esta exortação ao “Sodalício da Sagrada Família“, que recentemente recomendamos e aprovamos.

Se, de fato, o fundamento deste sodalício é o mistério do longo período de vida silenciosa e oculta de Cristo Senhor, entre as paredes da casa de Nazaré, para que as famílias cristãs se esforcem constantemente por modelar-se sobre o exemplo da Sagrada Família, divinamente constituída, logo aparece evidente a sua ligação particular com o Rosário: especialmente com os mistérios gozosos, que se encerram justamente quando Jesus, depois de mostrar a sua sabedoria no Templo, “veio”, com Maria e José, “para Nazaré, e lhes era sujeito”; como que assim preparando os outros mistérios com que mais de perto realizaria a obra de ensinamento e de redenção dos homens. Por tudo isto, compreendam todos os associados que diligência devem mostrar em cultivar e propagar a devoção do Rosário.

Próximo Jubileu episcopal do Santo Padre

9. Por Nossa parte, ratificamos e confirmamos os favores das sagradas Indulgências concedidas nos anos precedentes àqueles que, de acordo com as prescrições estabelecidas, bem cumprirem a piedosa prática do mês de Outubro. Muito contamos, pois, Veneráveis Irmãos, com a vossa autoridade e com o vosso zelo, a fim de que, também este ano, seja ardente entre o povo católico o fervor e a santa emulação em honrar com o Rosário a Virgem, Auxiliadora dos cristãos.

E agora apraz-nos concluir a Nossa exortação tornando ao motivo inicial. Isto é, queremos de novo e mais claramente atestar o nosso reconhecimento pelos benefícios recebidos da Virgem Santíssima, e a Nossa alegria e esperança nela. E, depois, ao povo cristão, devotamente prostrado ante os altares de Maria, pedimos rezar pela Igreja, agitada por tão adversas e tempestuosas vicissitudes, e ao mesmo tempo rezar também por Nós, que, em idade tão avançada, cansado pelos trabalhos, a braços com as mais graves dificuldades, e privado de todo socorro humano, governamos o leme da mesma Igreja.

Sim, a Nossa esperança em Maria, Mãe poderosa e terníssima, torna-se em Nós cada dia mais segura e mais consoladora. E, enquanto à sua intercessão atribuímos todos os numerosos e assinalados benefícios que Deus nos tem concedido, com particular gratidão lhe atribuímos o de podermos, dentro em não muito, atingir o qüinquagésimo aniversário da Nossa ordenação episcopal.

Bem considerando, é deveras um grande benefício um tão longo período de ministério pastoral; mas o é sobretudo o havermo-nos podido dedicar, no meio de preocupações quotidianas, a guiar todo o rebanho cristão. Durante este tempo, na Nossa vida como na de todos os homens, como também nos mistérios de Cristo e de sua Mãe, não faltaram nem motivos de alegria, nem – mais freqüentemente – graves motivos de dor, nem, às vezes, motivos de alegre complacência, em Cristo. Coisas estas todas que Nós, com espírito de humildade diante de Deus e com gratidão, nos temos , aplicado a fazer reverter em bem e em honra da Igreja.

E agora, visto que o resto da vida não será diverso, se novas alegrias resplenderem, se novas dores sobrevierem, se algum raio de glória brilhar, Nós perseveraremos nas mesmas intenções e nos mesmos sentimentos. E, nada mais invocando de Deus senão a glória celeste, repetiremos com alegria as palavras de David: “Seja bendito o nome do Senhor; não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória” (Salmos 112, 2; 113, 1).

De Nossos filhos, pois, tão devotos e tão afeiçoados, antes que felicitações e louvores ardentemente esperamos que elevem a Deus vivíssimas ações de graças, orações e votos. Contentíssimos ficaremos se eles nos obtiverem que esse pouco de vida e de forças que nos resta, o que temos de autoridade e de prestígio, possamos despendê-lo unicamente para o bem da Igreja; e, antes de tudo, para lhe reconduzir ao seio e reconciliar consigo os inimigos e os transviados, os quais a Nossa voz desde tanto tempo convida. Que da Nossa próxima alegria jubilar – se a Deus aprouver dar-no-la – possam todos os Nossos diletíssimos filhos recolher abundantes frutos de justiça, de paz, de prosperidade, de santidade, de todos os bens.

E isto que, com paternal amor, solicitamos de Deus, enquanto lhes recordamos estes seus santos avisos: “Escutai-me… e crescei como rosa plantada à beira das águas. Como incenso, exalai perfume suave. Fazei brotar flores como o lírio, e espalhai odor, e recobri-vos de amenas frondes. E cantai um cântico de louvor, e bendizei o Senhor por todas as suas obras. Dai glória ao seu nome, e louvai-o com o som dos vossos lábios e com os cantos dos lábios e com as cítaras… Com todo o coração e com toda a voz louvai e bendizei o nome do Senhor” (Ecli 39, 13 – 20, 41). 10.

Se estas exortações e estes votos encontrarem o escárnio dos homens perversos, que blasfemam tudo o que ignoram, perdoe Deus benignamente esses infelizes. De Nossa parte Lhe rogamos, pela intercessão da Rainha do santíssimo Rosário, dignar-se de favorecer com sua graça exortações e votos.

Vós, pois, Veneráveis Irmãos, em auspício de tal graça e como penhor da Nossa benevolência, recebei, nesse ínterim, a Bênção Apostólica, que com vivo afeto, no Senhor, concedemos a cada um de vós, ao vosso clero e ao vosso povo.

Dado em Roma, junto a S. Pedro, a 8 de Setembro de 1892, décimo quinto ano do Nosso Pontificado.

LEÃO PP. XIII.

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CARTA ENCÍCLICA
 LAETITIAE SANCTAE
DE SUA SANTIDADE
 PAPA LEÃO XIII

A todos os Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes,
Arcebispos, Bispos do Orbe Católico
em graça e comunhão com a Sé Apostólica,
sobre o Rosário de Nossa Senhora.

Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.

Gratidão do Papa para com Maria

1. A santa alegria que nos trouxe o feliz transcurso do quinquagésimo aniversário da Nossa sagração episcopal foi intensamente aumentada pelo fato de termos tido como participantes da Nossa alegria os católicos de todo o mundo, estreitados como filhos em torno do Pai, numa esplêndida manifestação de fidelidade e de amor. Nisto, com renovada gratidão, reconhecemos e exaltamos um desígnio da Divina Providência sumamente benévolo para conosco, e, ao mesmo tempo, assaz profícuo para a sua Igreja. Mas o Nosso ânimo sente-se impelido a saudar e louvar também a augusta Mãe de Deus, que deste benefício foi poderosa mediadora junto a Deus. A sua singular bondade, que no longo e mutável período da Nossa vida temos experimentado em vários modos eficaz, brilha cada dia mais manifesta diante dos nossos olhos, e, ferindo-nos suavissimamente o coração, robustece-o com confiança sobrenatural.

Afigura-se-nos ouvir a própria voz da Rainha do Céu, ora benevolamente encorajar-nos no meio das terríveis adversidades da Igreja, ora ajudar-nos, com largueza de inspirações, nas decisões a tomar para o bem comum, ora também advertir-nos a estimular o povo cristão à piedade e ao culto da virtude. já muitas vezes, no passado, fizemos para nós um grato dever de corresponder a estes desejos da Virgem. Ora, entre as utilidades que com a sua bênção recolhemos das Nossas exortações, justo é recordar o extraordinário desenvolvimento da devoção do seu santo Rosário, seja pelo incremento e pela constituição de confrarias sob este título, seja pela divulgação de escritos doutos e oportunos, seja também pela inspiração dada a verdadeiras obras-primas artísticas.

O Rosário e os males do nosso tempo

2. E hoje, como que acolhendo a mesma voz da amorosíssima Mãe, com a qual ela nos repete: “Clama, nunca te canses”, apraz-nos tornar a falar-vos, Veneráveis Irmãos, do Rosário mariano, agora que se aproxima o mês de Outubro: mês que quisemos consagrado a esta cara devoção, e que enriquecemos com os tesouros das santas indulgências. A Nossa palavra, todavia, não terá o fim imediato de tributar novos louvores a uma oração já, por si mesma, tão excelente, nem de estimular os fiéis a praticá-la com sempre maior fervor; falaremos, antes, de algumas preciosíssimas vantagens que dela podem derivar, o mais possível correspondentes às condições e às necessidades dos homens e dos tempos presentes. Porque estamos absolutamente convencido de que, se a prática do Rosário for retamente seguida, de modo a poder ostentar toda a eficácia que lhe é intrínseca, não somente aos simples indivíduos, mas também a toda a sociedade, trará a maior utilidade.

3. Sabem todos o quanto Nós, pelo dever do Nosso supremo apostolado, nos temos aplicado a contribuir para o bem da sociedade, e o quarto ainda estamos disposto a fazê-lo, com o auxílio de Deus. Com freqüência temos advertido os governantes a não fazerem e a não aplicarem leis que não sejam conformes à mente divina, norma de suma justiça. E, por outra parte, mais de uma vez temos exortado aqueles cidadãos que, ou por inteligência, ou por méritos, ou por nobreza do sangue, ou por haveres, estão em posição de privilégio em relação aos outros, a defenderem e a promoverem, em união de entendimentos e de forças, os supremos e fundamentais interesses da sociedade.

4. Mas, na estado presente da sociedade civil, sobejas são as causas que debilitam os ligames da ordem pública e desviam os povos da justa honestidade dos costumes. Todavia, os males que mais perigosamente minam o bem comum parecem-nos ser principalmente os três seguintes: “aversão à vida humilde e laboriosa; o horror ao sofrimento; o esquecimento dos bens futuros, objeto das nossas esperanças”.

A aversão ao viver moderno

5. Lamentamos – e conosco devem reconhecê-lo e deplorá-lo mesmo aqueles que não admitem outra regra senão a luz da razão, nem outra medida afora a utilidade, – lamentamos que uma chaga verdadeiramente profunda tenha ferido o corpo social desde quando se começou a descurar os deveres e as virtudes que formam o ornamento da vida simples e comum. De fato, daí se segue que, nas relações domésticas, os filhos, intolerantes de toda educação que não seja a da moleza e da volúpia, recusam arrogantemente a obediência que a própria natureza lhes impõe. Por esse mesmo motivo os operários se afastam do seu próprio mister, fogem do labor, e, descontentes com a sua sorte, levantam o olhar a metas demasiado altas, e aspiram a uma inconsiderada repartição dos bens.

Ao mesmo tempo dai se segue o afanar-se de muitos que, depois de abandonarem o torrão natal, buscam o bulício e as numerosas seduções da cidade. Por este motivo ainda, veio a faltar o necessário equilíbrio entre as classes sociais; tudo é flutuante; os ânimos são agitados por invejas e rivalidades; a justiça é abertamente violada; e aqueles que foram iludidos nas suas esperanças procuram perturbar a tranqüilidade pública com sedições, com desordens e com a resistência aos defensores da ordem pública.

As lições do mistérios gozosos

6. Pois bem: contra estes males pensamos que se deve buscar remédio no Rosário de Maria, composto de uma bem ordenada série de orações e da piedosa contemplação de mistérios relativos a Cristo Redentor e a sua Mãe. Expliquem-se de forma exata e popular os mistérios gozosos, apresentando-os aos olhos dos fiéis como outros tantos quadros e vivas figurações das virtudes. E assim cada um verá que fácil e rica mina eles oferecem de ensinamentos aptos para arrastar com maravilhosa suavidade as almas à honestidade da vida.

7. Eis diante do nosso olhar a Casa de Nazaré, onde toda santidade, a humana e a divina, colocou a sua morada. Que exemplo de vida comum! Que perfeito modelo de sociedade! Ali há simplicidade e candura de costumes; perpétua harmonia de almas; nenhuma desordem; respeito mútuo; e, enfim, o amor: mas não o amor falso e mendaz, e sim aquele amor integral, que se alimenta na prática dos próprios deveres, e tal que atrai a admiração de todos.

Ali não falta a solicitude de se proporcionar a si mesmos tudo quanto é necessário à vida, mas com o “suor da fronte”, e como convém àqueles que, contentando-se com pouco, se esforçam antes por diminuir a sua pobreza do que por multiplicar os seus haveres. E, sobre tudo isto, reina ali a maior serenidade de ânimo e alegria de espírito: duas coisas que sempre acompanham a consciência do dever cumprido.

8. Ora, estes exemplos de modéstia e de humildade, de tolerância da fadiga, de bondade para com o próximo e de fiel observância dos pequenos deveres da vida quotidiana, e, numa palavra, os exemplos de todas estas virtudes, assim que entram nos corações e nele se imprimem profundamente, certamente produzem nele pouco a pouco a desejada transformação dos pensamentos e dos costumes.

Então os deveres do próprio estado não mais serão nem descurados nem considerados enfadonhos, mas serão, antes, agradáveis e deleitáveis; e a consciência do dever, imbuída de senso de alegria, será sempre mais decidida no obrar o bem.

Por conseqüência, os costumes tornar-se-ão mais brandos sob todos os aspectos; a convivência familiar transcorrerá no amor e na alegria; as relações com os outros serão pautadas por um maior respeito e caridade. E, se estas transformações se estenderem dos indivíduos às famílias, às cidades, aos povos e às suas instituições, é fácil ver que imensas vantagens devam daí derivar para a sociedade inteira.

A aversão ao sacrifício

9. O segundo mal funestíssimo, que Nós nunca deploraremos bastante, porque ele sempre mais difusa e ruinosamente envenena as almas, é a tendência a fugir da dor e a afastar por todos os meios as adversidades.

De feito, a maioria dos homens não consideram mais, como deveriam, a serena liberdade de espírito como um prêmio para quem exercita a virtude e suporta vitoriosamente perigos e trabalhos; mas excogitam uma quimérica perfeição da sociedade, em que, removido todo sacrifício, se deparem todas as comodidades terrenas.

Ora, este agudo e desenfreado desejo de uma vida cômoda debilita fatalmente as almas, que, mesmo quando não se arruínam totalmente, ficam, sem embargo, tão enervados, que primeiro cedem vergonhosamente em face dos males da vida, e depois sucumbem miseravelmente.

As lições dos mistérios dolorosos

10. Pois bem: ainda contra este mal é bem justificado esperar-se do Rosário de Maria um remédio que, pela força do exemplo, pode grandemente contribuir para fortalecer os ânimos. E isto se obterá se os homens, desde a sua primeira infância, e depois constantemente em toda a sua vida, se aplicarem, no recolhimento, à meditação dos mistérios dolorosos.

Através destes mistérios vemos que Jesus, “guia e aperfeiçoados da fé”, começou a fazer e a ensinar, a fim de que víssemos n’Ele próprio o exemplo prático dos ensinamentos que Ele daria à nossa humanidade, acerca da tolerância da dor e dos trabalhos; e o exemplo de Jesus chegou a tal ponto, que, voluntariamente e de grande coração, Ele mesmo abraçou tudo o que há de mais duro de suportar.

Com efeito, vemo-lo como um ladrão, julgado por homens iníquos, e feito alvo de ultrajes e de calúnias. Vemo-lo flagelado, coroado de espinhos, crucificado considerado indigno de continuar a viver, e merecedor de morrer entre os clamores de todo um povo.

Consideremos a aflição de sua santíssima Mãe, cuja alma não foi somente roçada, mas verdadeiramente “traspassada” pela “espadácia dor”- de modo que ela mereceu ser chamada, e realmente se tornou, a Mãe das dores.

11. Todo aquele que se não contentar com olhar, porém meditar amiúde exemplos de tão excelsa virtude, oh! como se sentirá impelido a imitá-los! Para esse, ainda que seja “maldita a terra, e faça germinar espinhos e abrolhos”, ainda que o espírito seja oprimido pelos sofrimentos, ou o corpo pelas doenças, nunca haverá nenhum mal causado pela perfídia dos homens ou pelo furor dos demônios, nunca haverá calamidade, pública ou privada, que ele não consiga superar com paciência.

É, pois, realmente verdadeiro o dito: “É de cristão fazer e suportar coisas árduas”; porque todo aquele que não quiser ser indigno desse nome não pode deixar de imitar Cristo que sofre. E repare-se em que como resignação não entendemos a vã ostentação de um ânimo endurecido à dor, como o tiveram alguns filósofos antigos; mas sim essa resignação que se funda no exemplo d’Aquele que “em lugar do gozo que tinha diante de si, suportou o suplício da Cruz, desprezando a ignomínia” (Heb 12, 2); essa resignação que, depois de pedir a Ele o necessário auxilio da graça, de modo algum recusa afrontar as adversidades; antes, alegra-se com elas, e considera um lucro qualquer sofrimento, por mais acerbo que seja.

A Igreja Católica sempre teve, e tem ainda agora, insignes campeões de tal doutrina: homens e mulheres, em grande número, em todas as partes do mundo, de todas as condições. Estes, seguindo as pegadas de Cristo, em nome da fé e da virtude suportam contumélias e amarguras de todo gênero, e têm como seu programa, mais com os fatos do que com as palavras, a exortação de S. Tomé: “Vamos também nós, e morramos com Ele” (Jo. 11, 16).

12. Oh! praza ao Céu que exemplos de tão admirável fortaleza se multipliquem sempre mais, a fim de que deles brote segurança para a sociedade, e virtude e glória para a Igreja.

O descaso dos bens eternos

13. O terceiro mal para o qual é preciso achar um remédio é particularmente próprio dos homens dos nossos dias Com efeito, os homens dos tempos passados, mesmo quando com excessiva paixão procuravam as coisas terrenas, contudo não desprezavam totalmente as celestes; antes, os mais sábios entre os próprios pagãos ensinaram que esta nossa vida é um lugar de hospedagem e uma estação de passagem, antes que uma morada fixa e definitiva.

Ao contrário, muitos dos modernos, embora educados na fé cristã, procuram de tal modo os bens transitórios desta terra, que não somente esquecem uma pátria melhor na eternidade bem-aventurada, mas, por excesso de vergonha, chegam a cancelá-la completamente de sua memória, contra a advertência de S. Paulo: “Não temos aqui uma cidade permanente, porém demandamos a futura” (Heb. 13, 14).

Quem quiser examinar as causas desta aberração logo notará que a primeira delas é a convicção de muitos de que o pensamento das coisas eternas extingue o amor da pátria terrena e impede a prosperidade do Estado. Calúnia odiosa e insensata.

E, de fato, os bens que esperamos não são de natureza tal que absorvam os pensamentos do homem até o ponto de o distrair inteiramente do cuidado dos interesses terrenos. O próprio Cristo embora recomendando-nos procurarmos antes de tudo o reino de Deus, com isto nos insinua que não devemos descurar tudo o mais.

E, de fato, se o uso dos bens terrenos e dos gozos honestos que deles derivam servem de estímulo à virtude; se o esplendor e o bem-estar da, cidade terrena – que depois redundam em glória da sociedade humana – são considerados como uma imagem do esplendor e da magnificência da cidade eterna, eles não são nem indignos de homens racionais, nem contrários aos desígnios de Deus.

Porque Deus é ao mesmo tempo autor da natureza e da graça; e por isto não pode ter disposto que uma obste à outra e estejam entre si em luta; mas, ao contrário, que, amigavelmente unidas, nos guiem, por uma trilha mais fácil, àquela eterna felicidade a que, embora mortais, somos destinados.

14. Mas os homens dados ao prazer e egoístas, que de tal modo mergulham e aviltam os seus pensamentos nas coisas caducas a ponto de não saberem elevar-se a mais alto, estes, antes que procurarem os bens eternos através dos bens sensíveis de que gozam, perdem completamente de vista a eternidade, caindo assim numa condição verdadeiramente abjeta. Na verdade, Deus não poderia infligir ao homem punição mais terrível do que abandonando-o por toda a vida às seduções dos vícios, sem ter jamais um olhar para o Céu.

As lições dos mistérios gloriosos

15. A este perigo não estará exposto aquele que, rezando o santo Rosário, meditar com atenção e com freqüência as verdades contidas nos mistérios gloriosos. Desses mistérios, com efeito, brilha na mente dos cristãos uma luz tão viva, que nos faz descobrir aqueles bens que o nosso olho humano nunca poderia perceber, mas que Deus – assim o cremos com fé inabalável – preparou “para aqueles que o amam”.

Deles aprendemos, além disto, que a morte não é um esfacelamento que tudo perde e destrói, mas sim uma simples passagem e uma mudança de vida. Aprendemos que o caminho do céu está aberto a todos; e, quando observamos Cristo que volta ao Céu, recordamos a sua bela promessa: “Vou preparar-vos o lugar”.

Aprendemos que haverá um tempo em que “Deus enxugará toda lágrima dos nossos olhos; em que não haverá mais nem lutos, nem pranto, nem dor, mas estaremos sempre com o Senhor, semelhantes a Deus, porque o veremos como Ele é, bebendo na torrente das suas delícias, concidadãos dos santos”, em feliz união com a grande Mãe e Rainha.

16. Uma alma que se nutra destas verdades deverá necessariamente inflamar-se delas e repetir a frase de um grande. Santo: “Oh! como me parece sórdida a terra quando olho o Céu”; deverá necessariamente alegrar-se ao pensamento de que “um instante de um leve sofrimento nosso produz em nós uma medida eterna de glória”.

E, verdadeiramente, só aqui está o segredo de harmonizar o tempo com a eternidade, a cidade terrena com a celeste, e de formar caracteres fortes e generosos. E se estes se tornarem muito numerosos, sem dúvida estará com isso consolidada a dignidade e a grandeza do Estado; e florescerá tudo o que é verdadeiro, tudo o que é bom, tudo o que é belo; florescerá em harmonia com aquela norma que é o sumo princípio e a fonte inexaurível de toda verdade, de toda bondade e de toda beleza.

17. Ora, quem não vê a verdade disso que havemos observado desde o princípio, isto é, de que preciosos bens é fecundo o santo Rosário? O quanto ele é maravilhosamente eficaz em curar os males dos nossos tempos, e em opor um dique aos gravíssimos males da sociedade?

As confrarias do Rosário

18. Mas, como cada um facilmente compreende, de tal eficácia serão mais direta e mais largamente participantes os membros das sacras confrarias do Rosário, porque a ela adquirem um direito particular, quer pela sua união fraterna, quer pela sua devoção especial à Virgem Santíssima.

Tais sodalícios autorizadamente aprovados pelos Romanos Pontífices e por eles enriquecidos de privilégios e de tesouros de indulgências, têm uma forma própria de ordenação e de disciplina. Promovem reuniões em dias determinados, e neles são fornecidos meios mais adequados para florescer na piedade e para prestar úteis serviços à própria sociedade civil. Eles são como que falanges militantes que, guiadas e amparadas pela celeste Rainha, combaterão as batalhas de Cristo, em virtude dos seus santos mistérios.

E em todas as ocasiões, mas especialmente em Lepanto, pôde-se ver como a Virgem se compraz com as orações, as festas e as procissões desses seus devotos.

19. Bem justo é, pois, que não somente os filhos do patriarca S. Domingos – certamente obrigados mais do que os outros, por motivo da sua vocação, – mas também todos aqueles que têm cura de almas -especialmente nas igrejas onde essas confrarias estão canonicamente eretas – se apliquem com todo o seu zelo a multiplicá-las, desenvolvê-las e assisti-las. Antes, ardentemente desejamos que também se dediquem a este trabalho aqueles que empreendem missões, seja para levar a doutrina de Cristo aos infiéis, seja para reforçá-la nos fiéis.

20. Não duvidamos de que, pelas exortações de todos estes, muitos cristãos estarão prontos não só a inscrever-se nessas confrarias, mas também a esforçar-se, por todos os meios, para colher as já indicadas vantagens espirituais que formam como que a razão de ser e, por assim dizer, a substância do santo Rosário. Depois, o exemplo dos membros das confrarias arrastará também os outros fiéis a uma maior estima e devoção ao Rosário; os quais, assim estimulados, porão todo o seu empenho – como Nós vivamente desejamos – em tirar também, na mais larga medida, salutares vantagens desta prática.

21. Eis aí a esperança que nos sorri. É ela que, no meio de tantas calamidades públicas, nos guia e profundamente nos consola. Digne-se Maria, Mãe de Deus e dos homens, inspiradora e mestra do santo Rosário, de realizar plenamente esta esperança, acolhendo as preces comuns.

Nós, ó Veneráveis Irmãos, temos confiança de que, pelo zelo de cada um de vós, os vossos ensinamentos e os Nossos votos produzirão toda espécie de bem, e contribuirão, em particular, para a prosperidade das famílias e para a paz dos povos.

Enquanto isso, em penhor dos favores celestes e em testemunho da Nossa benevolência, no Senhor concedemos a cada um de vós, ao vosso clero e ao vosso povo a Bênção Apostólica.

Dado em Roma, junto a S. Pedro, a 8 de Setembro de 1893, décimo sexto ano do Nosso Pontificado.

LEÃO XIII PAPA

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CARTA ENCÍCLICA

IUCUNDA SEMPER EXPECTATIONE

DE SUA SANTIDADE
PAPA LEÃO XIII

 

A todos os Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes,
Arcebispos, Bispos do Orbe Católico em graça
e comunhão com a Sé Apostólica,
sobre o Rosário de Nossa Senhora.

Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.

Viva confiança no Rosário

1. Com alegre expectativa e com renovada confiança olhamos sempre a volta do mês de Outubro; porque, desde quando começamos a exortar os fiéis a consagrarem este mês à beatíssima Virgem, ele tem acarretado em toda parte uma poderosa floração do Rosário entre os católicos. Qual tenha sido o motivo elas Nossas exortações, já mais de uma vez o expusemos. Visto que os tempos, prenunciadores de desgraças para a Igreja e para a sociedade, exigiam o auxílio poderoso de Deus, Nós achamos dever implorá-lo justamente mediante a intercessão de sua Mãe, e sobretudo com essa fórmula de oração cuja salutar eficácia o povo cristão pôde sempre experimentar.

Experimentou-a, com efeito, desde as origens do Rosário mariano, quer na defesa da santa fé contra os nefastos ataques dos hereges, quer no repor em honra aquelas virtudes que haviam sido sufocadas pela corrupção do mundo. Experimentou-a por uma série ininterrupta de benefícios, privados e públicos, cuja lembrança por toda parte foi imortalizada até mesmo com insignes instituições e monumentos. E também nos nossos tempos, trabalhados por múltiplas crises, folgamos de reconhecer que justamente do Rosário têm provindo frutos salutares. Todavia, olhando em volta, Veneráveis Irmãos, vós mesmos vedes que ainda permanecem, e em parte agravados, os motivos para convidarmos, ainda este ano, os vossos fiéis a reavivarem o fervor das suas súplicas para com a Rainha do Céu.

2. Além disto, quanto mais fixamos o pensamento na íntima natureza do Rosário, tanto mais claramente se nos manifesta a sua excelência e utilidade. E por isto cresce em Nós o desejo e a esperança de que a Nossa recomendação seja tão eficaz que dê o mais amplo desenvolvimento a esta santíssima oração, difundindo-lhe sempre mais o conhecimento e a prática.

Confiança em Maria como mediadora

3. Para tal fim não evocaremos aqui os argumentos que, sob vários aspectos, expusemos sobre este mesmo assunto nos anos precedentes; mas, antes, apraz-nos considerar e expor como, de acordo com os divinos desígnios da Providência, o Rosário desperta no ânimo de quem reza uma suave confiança de ser atendido, e move a maternal piedade da Virgem bendita a corresponder a tal confiança com a ternura dos seus socorros.

4. O nosso suplicante recurso ao patrocínio de Maria funda-se no seu ofício de Mediadora da graça divina; ofício que ela – agradabilíssima a Deus pela sua dignidade e pelos seus méritos, e de longe superior em poder a todos os Santos – continuamente exerce por nós junto ao trono do Altíssimo. Ora, este seu ofício talvez por nenhum outro gênero de oração seja tão vivamente expresso como pelo Rosário, onde a parte tida pela Virgem na Redenção dos homens é posta tão em evidência que parece desenrolar-se agora ante o nosso olhar; e isto traz um singular proveito à piedade, seja na sucessiva contemplação dos sagrados mistérios, seja na recitação repetida das preces.

Nos mistérios gozosos

5. Primeiramente se nos apresentam os mistérios gozosos. O Filho eterno de Deus abaixa-se até aos homens, feito Ele próprio homem mas com o assentimento de Maria, “que o concebe do Espírito Santo”. Daí ser João, por uma graça especial, “santificado” no seio materno e enriquecido de escolhidos dons “para preparar os caminhos do Senhor”. Mas isto sucede em seguida à saudação de Maria, que, por divina inspiração, vai visitar sua parenta. Finalmente vem à luz o Cristo, “o esperado das nações”, e vem à luz do seio da Virgem. Os pastores e os Magos, primícias da fé, dirigem-se com ânsia pressurosa ao seu berço, e “acham o Menino com Maria sua Mãe”. Depois Ele quer ser levado em pessoa ao templo para se oferecer publicamente em holocausto a Deus Pai. Mas é por obra da Mãe que ali “é apresentado ao Senhor”. É sempre ela que, na misteriosa perda do Filho, o procura com ansiosa solicitude e o reencontra com alegria imensa.

Nos mistérios dolorosos

6. No mesmo sentido falam os mistérios dolorosos. É verdade que Maria não está presente no horto de Getsêmani, onde Jesus treme e está triste até à morte, e no pretório, onde é flagelado, coroado de espinhos, condenado à morte. Mas já desde tempo ela conhecera e vira claramente todas estas coisas. Com efeito, quando ela se ofereceu a Deus como escrava, para depois se tornar sua mãe, e quando no templo se consagrou inteiramente a Ele, juntamente com o Filho, já desde então, em virtude destes dois fatos, ela se tornou participante da dolorosa expiação de Cristo, para vantagem do gênero humano. Não há, pois, dúvida alguma de que, mesmo por tal razão, durante as cruéis angústias e torturas do Filho ela experimentou no seu coração as mais agudas dores.

Aliás, na sua própria presença e sob seus olhos devia consumar-se aquele divino sacrifício para o qual, com o próprio leite, ela generosamente criara a vítima. Isto se contempla no último e mais comovente destes mistérios. “Estava junto à Cruz de Jesus Maria sua Mãe”, a qual, movida por um imenso amor a nós, para nos ter como seus filhos ofereceu, ela mesma, seu Filho à justiça divina, e com Ele morreu no seu coração, traspassada pela espada da dor.

Nos mistérios gloriosos

7. Finalmente, nos mistérios gloriosos, que seguem os dolorosos, é mais copiosamente confirmado este mesmo misericordioso ofício da Virgem excelsa. Com tácita alegria ela saboreia a glória do Filho triunfante sobre a morte; segue-o depois com maternal afeto na sua volta à sede celeste. Mas, conquanto digna do Céu, ela é mantida na terra, como suprema consoladora e mestra da Igreja nascente; “ela penetrou, além de tudo o que se possa crer, nos profundos arcanos da sabedoria divina” (S. Bernardo, De Praerogativis B. M. V., n. 3).

E, pois que a obra santa da redenção dos homens não podia dizer-se completa antes da descida do Espírito Santo, prometido por Cristo, eis que a vemos lá naquele Cenáculo cheio de recordações, a orar-lhe, juntamente com os Apóstolos e em vantagem dos Apóstolos, com gemidos inenarráveis; a apressar para a Igreja a sabedoria do Espírito consolador, supremo dom de Cristo, tesouro que nunca lhe faltará. Porém em medida ainda mais cheia e perene poderá ela advogar a nossa causa quando tiver passado à vida imortal.

E, assim, deste vale de lágrimas vemo-la assunta à cidade santa de Jerusalém, por entre as festas dos coros angélicos; veneramo-la elevada acima da glória de todos os Santos, coroada de estrelas por seu divino Filho, sentada junto d’Ele, rainha e senhora do universo. Em todos estes mistérios, ó Veneráveis Irmãos, se tão bem se manifesta “o desígnio de Deus, desígnio de sabedoria e desígnio de misericórdia” (S. Bernardo, Sermo in Nativitate B. M. V., n. 6), não menos claramente brilhai ao mesmo tempo os grandíssimos benefícios da Virgem Mãe para conosco: benefícios que não podem deixar de nos encher de alegria, porque nos infundem a firme esperança de obtermos, pela mediação de Maria, a clemência e a misericórdia de Deus.

Nas orações vocais

8. Para este mesmo fim, em perfeita harmonia com os mistérios, tende a oração vocal. Procede, como é justo, a oração dominical dirigida ao Pai celeste. Em seguida, após haver invocado o mesmo Pai com a mais Pobre das orações, do trono da sua majestade a nossa suplicante volve-se para Maria, em obséquio à lembrada lei da sua, mediação e da sua intercessão, expressa por S. Bernardino de Sena com as seguintes palavras: “Toda graça que é comunicada a esta terra passa por três ordens sucessivas. De Deus é comunicada a Cristo, de Cristo à Virgem, e da Virgem a nós” (S. Bernardino de Sena, Sermo VI in Festis B. M. V., De Annunciatione, a. 1, c. 2).

E nós, na recitação do Rosário, passamos por todos os três graus desta escala, em diversa relação entre eles; porém mais longamente, e de certo modo com mais gosto, detemo-nos no último, repetindo por dez vezes a saudação angélica, como que para nos elevarmos com maior confiança aos outros graus, isto é, por meio de Cristo a Deus Padre.

Porquanto, se tornamos a repetir tantas vezes a mesma saudação a Maria, é para que a nossa oração, fraca e defeituosa, seja reforçada pela necessária confiança, confiança que surge em nós se pensarmos que Maria, mais do que rogar por nós, roga em nosso nome. De certo as nossas vozes serão mais agradáveis e eficazes na presença de Deus se forem apoiadas pelos rogos da Virgem; à qual Ele mesmo dirige o amoroso convite: “Ressoe a tua voz ao meu ouvido, porque suave é a tua voz” (Cânt. 2, 14).

Por esta mesma razão, no Rosário nós tornamos tantas vezes a celebrar os seus gloriosos títulos de Mediadora. Em Maria saudamos aquela que “achou favor junto a Deus”; aquela que foi por Ele, de modo singularíssimo, “cumulada de graça”, para que tal superabundância se entornasse sobre todos os homens; aquela a quem o Senhor está unido pelo vínculo mais estreito que existir possa; aquela que, “bendita entre as mulheres”, “só ela dissolveu a maldição e trouxe a bênção” (S. Tom., op. VIII, Sobre a Saudação Angélica, n. 8), ou seja o fruto bendito do seu seio, no qual “todas as nações são benditas”; aquela, enfim, que invocamos como “Mãe de Deus”.

Pois bem, em virtude de uma dignidade tão sublime, que coisa haverá que ela não possa pedir com segurança “para nós pecadores”, e, por outro lado, que coisa haverá que não possamos esperar nós, em toda a vida e nas nossas extremas agonias?

9. Quem com toda diligência houver recitado estas orações e meditado com fé estes mistérios, não poderá deixar de admirar os desígnios divinos que uniram a Virgem Santíssima à salvação dos homens; e, com comovida confiança, desejará refugiar-se sob a sua proteção e no seu seio, repetindo a súplica de S. Bernardo: “Lembrai-vos, ó piedosíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que alguém que tenha recorrido à vossa proteção, implorado o vosso auxílio, invocado a vossa intercessão, tenha sido por vós desamparado”.

O Rosário comove Maria em nosso favor

10. Porém a virtude que o Rosário tem de inspirar a confiança em quem o reza, possui-a também em mover à piedade para conosco o coração da Virgem. Quanto deve ser suave para ela o ver-nos e o escutar-nos, enquanto entrelaçamos em coroa pedidos para nós justíssimos e louvores para ela belíssimo! Assim rezando, nós desejamos e tributamos a Deus a glória que lhe é devida; procuramos unicamente o cumprimento dos seus acenos e da sua vontade; exaltamos a sua bondade e a sua munificência, chamando-lhe Pai e pedindo-lhe, embora indignos deles, os dons mais preciosos.

Com tudo isto Maria exulta imensamente, e, pela nossa piedade, de coração “magnifica o Senhor”. Porque, quando nos dirigimos a Deus pela oração dominical, nós o suplicamos mediante uma oração digna d’Ele.

11. Mas às coisas que nela pedimos, já de per si tão retas e ordenadas e tão conformes à fé, à esperança, à caridade cristã, junta-se um valor que não pode deixar de ser sumamente apreciado pela Virgem Santíssima. Este: que à nossa voz se une a de seu Filho Jesus, o qual, depois de nos haver ensinado, palavra por palavra, essa fórmula de oração, autorizadamente no-la impõe, dizendo: “Vós, pois, rezareis assim” (Mt. 6, 9).

Certos estejamos, pois, de que, se formos fiéis a este mandato com a recitação do Rosário, de sua parte Maria não deixará de exercer com maior benevolência o seu ofício de solícita caridade; e, acolhendo com semblante benigno estas místicas coroas de orações, recompensar-nos-á com abundância de graças.

O Rosário ajuda-nos a bem orar

12. Outra fortíssima razão para contarmos com maior segurança com a generosa bondade de Maria reside na própria natureza do Rosário, tão adequado para nos fazer rezar bem. Pela sua fragilidade, o homem, durante a oração, muitas vezes é levado a distrair-se do pensamento de Deus e a faltar ao seu louvável propósito.

Ora, quem considera atentamente este fenômeno logo verá quão eficaz é o Rosário não só para fazer aplicar a mente e para sacudir a preguiça da alma, como também para excitar um salutar arrependimento das culpas, e, finalmente, para elevar o espírito às coisas celestes. E isto porque, como é bem sabido, o Rosário é composto de duas partes, distintas entre si, porém inseparáveis: a meditação dos mistérios e a oração vocal.

Por conseqüência, este gênero de oração requer da parte do fiel uma atenção particular que não só o faz elevar, de algum modo, a mente a Deus, mas o leva também a refletir tão seriamente sobre as coisas propostas à sua consideração e contemplação, que ele é induzido também a tirar delas estímulo para uma vida melhor e alimento para toda forma de piedade. Realmente, não há nada maior ou mais maravilhoso do que estas coisas, que são como que o resumo da fé cristã, e que, com a sua luz e íntima força, têm sido fonte de verdade, de justiça e de paz, e que assinalaram para o mundo uma nova ordem de coisas, rica de frutos maravilhosos.

13. Atente-se, além disto, no modo como estes profundíssimos mistérios são apresentados a quem reza o Rosário: isto é, um modo que bem se adapta às mentes mesmo dos simples e dos menos instruídos. O Rosário não tem em mira fazer-nos perscrutar os dogmas da fé e da doutrina cristã, mas principalmente pôr como que diante do nosso olhar e evocar à nossa memória fatos.

Visto como os fatos que são apresentados quase nas mesmas circunstâncias de lugar, de tempo e de pessoa em que aconteceram, impressionam mais a alma e a comovem salutarmente. E, visto que estas coisas são geralmente inculcadas e gravadas nas almas desde a infância, daí se segue que, apenas enunciado um mistério, todo aquele que efetivamente tem amor à oração percorre-o sem nenhum esforço de imaginação, mas com movimento espontâneo da mente e do coração, e, pelo auxílio de Maria, tira dele em abundância um orvalho de graças celestes.

O Rosário prova a Maria o nosso reconhecimento

14. Mas há outra razão que torna as nossas coroas mais agradáveis e mais meritórias em presença da Virgem. Quando, com devota recordação, repetimos a tríplice ordem dos mistérios, vimos a demonstrar-lhe mais claramente o nosso afetuoso reconhecimento; porque com isto nós professamos que nunca nos fartamos de recordar os benefícios dispensados pela sua inexaurível caridade, para a nossa salvação. Ora, nós podemos ter apenas uma vaga idéia da alegria, sempre nova, que a lembrança destes grandiosos fatos, repetidos com freqüência e com amor em sua presença, pode infundir no seu ânimo bendito, movendo-o a sentimentos de solicitude e de generosidade materna.

Além disto, estas mesmas lembranças fazem com que as nossas orações se tornem mais ardentes e eficazes: porque cada mistério que passa diante do nosso pensamento fornece-nos um novo estímulo para orar, maximamente eficaz perante a Virgem. Sim, a ti recorremos, santa Mãe de Deus; e tu não desprezes estes míseros filhos de Eva!

A ti suplicamos, ó poderosa e benigna Mediadora da nossa salvação, conjuramos-te com toda a alma; pelas suaves alegrias recebidas de teu Filho Jesus; pela participação nas suas indizíveis dores, pelo esplendor da sua glória que em ti se reflete. Eia, pois, escuta-nos, se bem que indignos, e atende-nos!

A moderna perseguição contra a Igreja

15. A excelência do Rosário mariano, focalizada também pelas duas considerações que acabamos de vos expor, dir-vos-á ainda mais claramente, Veneráveis Irmãos, por que razão Nós não nos cansamos de inculcá-lo e de promovê-lo com todo cuidado.

Conforme desde o princípio observamos, a nossa época tem, cada vez mais, necessidade dos auxílios celestes; especialmente pelas muitas tribulações que a Igreja sofre, contrariada no seu direito e na sua liberdade, e, depois, pelos muitos perigos que ameaçam as próprias bases da prosperidade e da paz dos povos cristãos. Pois bem: mais uma vez declaramos solenemente que no Rosário depositamos as maiores esperanças de obter esses auxílios.

Queira Deus – é este um ardente desejo Nosso – que esta prática de piedade retome em toda parte o seu antigo lugar de honra! Nas cidades e nas aldeias, nas famílias e nas oficinas, entre os nobres e os plebeus seja o Rosário amado e venerado como o mais nobre distintivo da profissão cristã, e como o auxílio mais eficaz para nos propiciar a divina clemência.

Os últimos excessos da impiedade

16. E, pois que a insensata perversidade dos ímpios a tudo já agora recorre – com o dolo e com a audácia – para provocar a cólera divina e atrair sobre a pátria o peso de um justo castigo, necessário é que a piedosa prática do Rosário seja seguida com sempre maior empenho.

Além disto, todos os bons sofrem conosco, porque no próprio seio dos povos católicos há muitos que, satisfeitos de se regozijar com as ofensas de qualquer modo feitas à religião, eles mesmos, fortes de uma incrível licença de propaganda, mostram não ter em mira outra coisa senão expor ao desprezo e ao escárnio do povo as coisas mais santas da religião e sua experimentada confiança na intercessão da Virgem.

Nestes últimos meses, pois, não se tem poupado nem sequer a augustíssima pessoa de Jesus Cristo Salvador. Não se tem tido pejo de apoderar-se dela para os atrativos do palco, já agora sobejamente contaminado de infâmias, e de representarmo-la despojada da majestade da sua natureza divina; sem a qual necessariamente rui o próprio fundamento da redenção do gênero humano. E levou-se ao cúmulo a afronta quando se quis reabilitar da infâmia dos séculos o homem réu da criminosa perfídia que a história tem estigmatizado como a mais abominável e a mais monstruosa: o traidor de Cristo.

17. Ante tais excessos, cometidos ou em via de sê-lo pelas cidades da Itália, tem-se levantado um brado geral de indignação e um enérgico protesto pela violação dos sacrossantos direitos da religião, naquela nação que justamente considera sua precípua ufania o ser católica.

Ante tais excessos, como era natural, levantou-se a vigilante solicitude dos bispos, que apresentaram justíssimas recriminações àqueles que têm o inalienável dever de tutelar a honra da religião pátria; e não só têm avisado os seus rebanhos da gravidade do perigo, mas os têm exortado também a especiais atos de reparação da ímpia ofensa lançada contra o amorosíssimo Autor da nossa salvação.

Nós temos apreciado imensamente as múltiplas e notáveis demonstrações de zelo dadas pelos bons nestas circunstâncias, e delas temos haurido um vivo conforto para a Nossa alma, profundamente ferida. Mas, dado que temos ocasião de falar, não podemos abafar a voz do Nosso altíssimo ministério. E por isto falamos, para ajuntar o Nosso mais enérgico protesto aos já levantados pelos bispos e pelos fiéis.

18. Mas, enquanto lamentamos e detestamos esse sacrílego crime, com o mesmo ardor do Nosso ânimo apostólico dirigimos uma cálida exortação a todos os cristãos, mas particularmente aos Italianos, para que guardem intacta, defendem estrenuamente e continuem a alimentar com obras honestas e piedosas essa fé avoenga que constitui a sua herança mais preciosa.

Recurso à poderosa Rainha do Céu

19. É esta mais uma razão pela qual Nós vivamente desejamos que durante o mês de Outubro os simples fiéis e as confrarias porfiem em honrar a grande Mãe de Deus, a poderosa Auxiliadora do povo cristão, a gloriosíssima Rainha do Céu. Por Nossa parte, de todo coração confirmamos os favores das santas Indulgências anteriormente concedidos a este propósito.

20. E Deus, ó Veneráveis Irmãos, que “na sua misericordiosa bondade nos deu uma Mediadora tão poderosa” (S. Bernardo, De C II Praerogativis B. M. V., n. 2), “e quis que tudo nos viesse pelas mãos de Maria” (S. Bernardo, Sermo in Nativitatem B. M. V., n. 7), pela intercessão e pelo favor dela acolha propício os votos e satisfaça as esperanças de todos. Como auspício, pois, destes bens, juntamos de todo coração para vós, para o vosso clero e para o vosso povo a Bênção Apostólica.

Dado em Roma, junto a S. Pedro, a 8 de Setembro de 1894, décimo sétimo do Nosso Pontificado.

LEÃO PP. XIII.

 

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